? - 31-01-2010
AO SERVIÇO DE DEUS E DA CULTURA
Conheci Mira Teresa, na sua casa
no Caramão da Ajuda, por intermédio de uma amiga comum que vivia no Restelo, em
Lisboa.
Mira apresentou-me o seu marido,
deitado num divã num pequeno cómodo perto da sala de estar. Era ali que permanecia
por ser mais fácil a assistência de que ele necessitava continuamente, pois
sofria de uma doença implacável.
Quem o visse, no seu leito de
enfermo, macerado pela dor, sem o ter conhecido antes, como era o meu caso, jamais
imaginaria que estava em presença de um poeta emérito e de um compositor
musical de nobre estirpe.
As peripécias da vida não
permitiram que eu voltasse a visitar aquela casa, senão passados alguns anos,
mais uma vez através da nossa amiga do Restelo.
Mira Teresa estava viúva,
regressada recentemente do Egipto e de Jerusalém.
Como eu permaneci na capital,
após a minha digressão por uma parte da Europa, aproveitámos para nos
conhecermos melhor.
Foram sempre para mim motivo de
admiração e surpresa, as pessoas que dedicam a sua vida física e espiritual, à
obra de Deus, à causa de Cristo, pondo ao serviço da comunidade os seus dotes
congénitos.
Passámos a conviver com alguma
assiduidade e nos nossos passeios e longas conversas, conheci em profundidade
este casal que à vida religiosa dedicou grande parte dos seus méritos, no
silêncio da sua humildade e modéstia.
Numa tarde igual a tantas outras,
no paradisíaco jardim da Estrela, Mira Teresa falou longamente de seu marido, o
professor e músico, José Serra Saraiva.
Filho de um casal cristão da
Igreja Baptista, cedo evidenciou que nascera com atributos especiais para a
música. Ingressou na Academia dos Amadores de Música, ao tempo dirigida pelo
insigne compositor e maestro, Fernando Lopes Graça. O conhecimento adquirido
pelos estudos revelou-o um inspirado autor musical, escrevendo a letra das suas
próprias partituras.
Aos vinte anos, devido a grave
problema pulmonar, é obrigado a trocar o violino pelo órgão. É nomeado
organista de várias Igrejas. Todavia, não esquece o seu violino.
A sua sensibilidade não o deixa estagnar nem
reservar para si o que a sua veia artística lhe sugere. Começa a dar aulas a
jovens. Mira Teresa é uma das suas alunas. O convívio frequente provocado pelas
lições e pelos ensaios, leva José a descobrir em Mira Teresa uma brilhante
cantora.
Apaixonam-se e casam.
A jovem mulher passa a acompanhar
o marido em todos os eventos e a participar com ele, em todos os saraus e
cerimónias litúrgicas.
Formam um casal perfeito, como se
fossem “talhados um para o outro”. Na altura das férias ou pausas de trabalho,
ambos frequentam os bailes onde, sob o calor do seu amplexo vibram os sons
fascinantes das notas, das pautas e dos instrumentos que os ligaram para
sempre.
“Meu marido era uma pessoa
sensível, muito educado e muito amigo de ajudar o próximo”.
Não denota nenhuma ponta de
orgulho nem de envaidecimento pelos aplausos que o público nunca lhes regateou.
Mira Teresa termina: “Nasceu em
17 de Junho de 1925 e faleceu em 12 de Outubro de 1999”.
Alta, magra, vestida de negro, de
voz serena e franca, exime-se a referir-se a si própria. Passa ao de leve as
vezes que acompanhou o esposo na qualidade de soprano lírica, notável
interprete das letras e das músicas do homem que a conduziu por caminhos onde a
arte imperou com o amor ao serviço de um conjunto de valores que fizeram deste
casal um exemplo raro de simplicidade e nobreza.
Voltei a França.
A nossa relação continuou através
de cartas onde Mira me contava da sua peregrinação pelos médicos e hospitais.,
na tentativa de minorar os males de um coração contaminado pela solidão e pela
saudade.
Pelo Natal, trocávamos os nossos votos de
solidariedade por meio de pequenas gentilezas. Até que em Dezembro de 2010, o
meu cartão de Boas-Festas não obteve resposta. Mira Teresa tinha falecido em
Janeiro desse mesmo ano. Daí o seu silêncio mas não sem antes me enviar um
poema do marido, lamentando não ter encontrado a música que ele compusera.
Em homenagem a estas duas
figuras, tão raras nos tempos de hoje, transcrevo o poema de José Serra
Saraiva:
100º Curso
Caldas da
Rainha
AS MÃOS DE CRISTO
I
As mãos de Cristo
Dirigem meu destino!
Na cruz
sofreu
Quando morreu
Por amor de
mim.
Eu sei porém, que há salvação
Em ti Jesus!
Tu derramaste o teu amor
Por mim na cruz.
As mãos
de Cristo
Dirigem
meu destino.
Na
cruz sofreu
Quando
morreu
Por amor de mim.
II
As mãos de Cristo
Dirigem meu destino!
Ele
me conduz,
Seguindo vou
Na
sua luz.
Aceita pois o meu humilde
Coração
E faz brilhar em mim
Eterna salvação.
As
mãos e Cristo
Dirigem meu destino!
Ele me conduz,
Seguindo vou
Na sua luz.
Sinto-me pequena, ínfima, ao
observar esta impressionante escalada numa vida dedicada à arte e à obra de
Deus, à causa de Cristo. O vazio que eles deixaram no seu percurso, entre
familiares, amigos e admiradores, é impossível de descrever. Resta a esperança
de que prossigam no Universo de Deus, a imagem harmoniosa e e feliz que
demonstraram no seu círculo.
Termino, saudando a memória de
ambos, com uma frase de Jesus Cristo, transcrita por Mateus 5:5:
“Bem-aventurados os humildes porque eles herdarão a terra”
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