terça-feira, 18 de dezembro de 2018

Sonetos de Natal



O Peregrino do Natal

No braço esquerdo a ponta de alvo manto
e no direito a curva do bordão.
Onde ides, meu senhor com tanto espanto,
que não vedes o lamacento chão?

E como bate o vosso coração!
Por que banhais o vosso rosto em pranto?
Estais cansado, venerando ancião.
Repousai nesta pedra por enquanto.

- Em cada ano faço esta viagem
para encontrar a gruta mensageira
da paz entre as nações, não rebeldia.

Mas nunca chego a tempo que a paisagem
de guerras, violências, desordeira,
apenas deixa tréguas por um dia.



Presépio

Na gruta de Belém está Maria,
olhando o loiro filho pequenino.
O manto polvilhado a pedraria,
cobrindo-lhe o cabelo, ébano fino.

Ao lado, ele, José, que se extasia,
curvado ante a grandeza do destino.
E os anjos, loucos, loucos de alegria,
dedilham toda a noite o violino,

Quem destruiu o meu presépio de oiro?
Quem mo recorda por sarcasmo ainda?
Quem esmagou sem pena o meu rei moiro?

Sem mais do que esta dor profunda, infinda,
quisera ser dos magos um tesouro,
estrela a anunciar a tua vinda.



Natal Dourado

Somos todos tão belos, criativos,
no cerne e no perfil, originais;
urgentes como o sal, modelos vivos
de um barro, de um suspiro e brisa irreais.

Fomos mas já não somos que jamais
deixámos da maldade ser cativos;,
mentindo em cada dia que não mais
com o outro temos gestos ofensivos,

Enxuga-me, Senhor, este meu pranto.
Eu sinto-me tão só e tão perdida;
não tenho nada mais que doa tanto,

que é ter longe de ti a minha vida
e ter longe de mim teu nome santo
e chorar a teus pés arrependida.



Natal Profundo

Vejo a folha cair do calendário.
Neste Natal Jesus nasceu de novo,
acendendo do mundo o lampadário,
mais uma vez no coração do povo.

Alguém despiu a sua pele de lobo;
outro fez do seu pranto corolário.
e ainda outro o seu riso de bobo,
tornou humilde neste aniversário.

Ó meu Senhor Jesus, como eu queria
despojar-me de tudo frente ao espelho,
fazer parte da tua alegoria;

transformar tudo em novo quanto é velho;
nas noites de alma ver raiar o dia,
na passagem da vida: o Mar Vermelho.



Natal Branco

Ó chuva não fustigues a vidraça
e ao vento diz que abrande a sua ira;
à neve esguia e branca que não fira
os montes, os caminhos, onde passa.

Um velho mal cuidando na mentira
dum fogo de lareira que o trespassa,
sente os halos do Amor erguendo a taça,
embrulha-se em mil sonhos e delira.

Natal! Os sinos cantam nas quebradas;
as luzes mais se ocultam nos postigos,
enquanto a fé repica em alvoradas.

O vento serenou. Astros amigos
retalham como lâminas de espadas,
a neve que desceu sobre os mendigos.



Farrapos de Neve

Negra, ah! tão negra e um brilhar retinto
o desta noite que rompeu agora,
a polvilhar de neve os campos fora,
a relembrar-me aquilo que não sinto.

Os tempos voam, ah! porém pressinto
que a algo os move a vida esmagadora
e o pensamento errando, muito embora,
há-de provar-me um dia que não minto.

Lentamente, sulcando o céu sem fim,
gelados, vão caindo sobre mim,
alvos farrapos do meu ser divino.

Beleza que deslumbra, que enamora;
sonho que brota aos lábios e os descora
e guia o curso deste meu destino.



ACUSAÇÃO
(poema dirigido aos corruptos e a todos os perturbadores da moral)


Quem eras tu para saber quem eras,
nessa visão de amor que te perdeu;
coral estilhaçado nas esferas
duma vertigem que surgiu do céu.

Viver-te a hora. Louco! Eras? Não eras.
Tu que rasgaste a gaze desse véu.
Eras remorso atrofiando o Eu
no fogo angustiado das crateras.

Mortal hediondo à sombra de uma grade,
mordendo as unhas, rindo à tempestade,
não eras mais que um trapo dolorido.

E falas-me em Natal, em Cristo, em Dor,
se nem provaste o cálice do Amor,
tu, que morreste antes de teres nascido.



Espírito Natalício

Fim de ano e se repete o ritual
de evitar os caminhos mais profanos;
cada um comemora o seu Natal:
abandonam-se os hábitos mundanos.

As palavras brilham como um vitral;
abrem-se corações samaritanos;
mistura-se o real com o irreal,
disfarçando da vida os desenganos.

Com uma esponja se apagam os rumores
e a verdade se embrulha em frágil pano
para silenciar medos, horrores.

Surge a alegria com voz de soprano;
as casas enchem-se de  luzes, cores…
………………………………………………
Pena que seja uma só vez por ano…
………………………………………………
e tudo o mais se esconda em bastidores

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