quinta-feira, 29 de janeiro de 2015

ENCONTRO de CANICHES V


- Eh! O Filo vem hoje com focinho de caso! Que aconteceu, Filo?
- Nada! Diz antes o que não aconteceu…
- Mau!... Então o que é que te não aconteceu?
- Nada! Não aconteceu nada. Não acontece nada. Acho que vou fugir de casa.
Rissol insistiu:
- Que se passa, diz lá?
- Quando apareceu a Televisão, as conversas em família desapareceram. Todos os rostos dirigidos para o ecrã, afundados nos programas. De quando em quando, lá surgia um comentário ou outro. Se eram filmes a horas tardias, adormeciam no sofá, uns para cada lado.
- Mas depois a tecnologia avançou, veio a TV a cores…- interrompeu o Rubi.
- Espera! E as gravações, as operadoras com os seus pacotes convidativos e as playstations, as consolas, os infindáveis jogos… tudo muito bonito para os miúdos não chatearem. Cada criança fecha-se no seu quarto e permanece horas a fio obcecada pela Internet, pelos Facebooks, pelos joguinhos… resultado, vês uma casa de quatro ou cinco elementos, cada um para seu lado, enfiados cada um no seu quarto. Às refeições, como têm horários desfasados do trabalho e das aulas, nem se encontram. Quando há oportunidade de estarem juntos e desabafarem os seus problemas, cada um refugia-se em si mesmo e nas suas obsessões. E eu?... Incrivelmente solitário!
Jimmy apaziguou-o.
- Fugir não te aconselho. O mundo lá fora não é convidativo. Passas a dormir ao relento, a chafurdar nos caixotes, a levar pontapés…
- Apoiado! – disseram os outros em coro.
- Pois! Vocês acomodaram-se.
A Lulu aventurou:
- Querem mudar de conversa? Uma discussão acesa entre os meus donos são os cortes e a austeridade.
- Oh! Oh! Não venhas com essa! Há agregados familiares que não têm que dar de comer aos filhos e onde é que estão os cortes nos ordenados chorudos dos políticos? E dos elementos do Governo? Com viagens pagas, ajudas de custos, carros top gama…
- O pior é a informação televisiva. Dá uma reportagem sobre famílias a viverem abaixo do limiar da pobreza e logo a seguir um programa sobre o master chefe ou a gastronomia regional. Um insulto!
- Podes ter razão mas os necessitados não vêem televisão. Já a venderam para comer.
- Anda tudo descontente mas alguém se mexe?
- Para quê mudar? São todos iguais. Vão magros para o poder, vêm de lá gordos. Saem com reformas gordas, pensões vitalícias, subsídios inventados e alguns com galardões.
- A oposição… - adiantou o Filo.
- A oposição, a oposição, o quê? Só sabe ser do contra. E ser do contra é dizer mal. Que medidas sugerem?
- O que eu sei – afirmou Rissol – é que está tudo por fazer neste país. Com o sistema anterior vinha aí o comboio da TGV e não sei que outras ideias megalómanas…
- Os submarinos…
- Bem… sempre davam nas vistas.
- E estes?
- Então… professores por colocar, o caos nos tribunais…
- Caos, não. Colapso!
- Olha que se for cardíaco, é pior.
- Matas por limpar…
- Livra! Nem o que é meu. Pago logo multa.
Os cinco canitos ergueram-se a uma voz:
- Vamos embora!
Entreolharam-se, obedientes.
Lulu rosnou.
E Rubi arrematou:
- Refilas mas acomodas-te.
- Esqueces que sou de raça lusitana?

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