A
reunião, desta vez, tinha mais um cachorro.
Rubi,
sempre quezilento e mal disposto, procurando desenvencilhar-se da coleira a
todo o custo, enroscou simplesmente o dorso, numa atitude indiferente.
Rissol
interveio a seu favor:
-
Não toleras isso, não?
-
Achas? Sou um defensor nato dos fracos. Deixa-me crescer.
-
Agora tens de te contentar com o que te dão.- Contemporizou a Lulu.
Voltou-se
para o novo amigo;
-
Chamas-te Jimmy, não? Não me pareces muito feliz. Que se passa?
Jimmy
arriscou um latido. A dona repreendeu-o.
-
Vêem? – disse ele. – Todas as vezes que emito o meu desacordo, mandam-me calar.
-
Desacordo? - estranhou o Gigi.-Cá por mim podes falar.
-
Imaginem. Com as calamidades que vão por esse mundo e a minha dona hoje andou
numa fúria de nervos só porque a depilação não ficou a seu gosto.
A
Lulu ripostou:
-
Que adiantam as preocupações pelos problemas alheios? Não são solução.
-
Solidariedade, não?! - retorquiu Jimmy, aferrado à sua ideia.
Filo
interrompeu:
-
A sociedade delira com a tragédia. Têm muita pena, os casos são assunto de
conversa durante uma temporada, depois cai tudo no esquecimento.
-
E sem se saber o resultado que, nas esferas da informação deixou de ser “caixa
alta”.
Ã
Lulu admirou-se:
-
Que é isso?
-
Noticia em primeira mão, retumbante, fresquinha. - esclareceu o Rissol.
-
Pode-se lá admitir - continuou ele – que o mundo inteiro assista impávido ao
genocídio no Iraque? Crianças e mulheres enterradas vivas? Para que raio
existem as Nações Unidas?
-
As leis de cada Estado, não contam? Os acórdãos?
-
Os interesses económicos também…
Gigi
revoltou-se.
-
Se nem cá dentro põem cobro à corrupção…
Filo
interrompeu:
-
Gostarias que interferissem no governo da tua casa?
-
O ponto é este,- atirou o Rissol.- Havia de haver um sistema superior que
punisse e orientasse os interesses, uma melhor distribuição da riqueza. Acabar
com a pobreza e com a falta de cultura, respeitando, claro, os valores de cada
padrão histórico.
-
E essa entidade seria… - ironizou o Jimmy.
Após
uns minutos de silêncio, Lulu opinou:
-
O Papa…
Estava
triunfante.
Mas
Rissol e Jimmy abanaram a cabeça.
-
O Vaticano não tem poder para intervir nas situações legais das nações.
-
Apela à Paz.
-
Tal como o mundo está, o que se vislumbra é guerra e não paz. Vês o americano
abdicar das suas prerrogativas? As grandes potências respeitarem os países subdesenvolvidos?
E onde há produto que torne o território mais poderoso, como o petróleo,
caem-lhe em cima como abutres.
Filo
inflamou-se:
Não
vamos mais longe. Vocês não acham um insulto aos que vivem no limiar da
pobreza, os programas televisivos encherem os horários com apresentações de
gastronomia, rica, variada, opulenta, de fazer crescer água na boca… enquanto
crianças nem uma refeição têm por dia?
-
Os erros humanos são vingados pela mãe natureza…não vos parece? Olhem o vulcão
na Islândia. É mais um sinal, depois dos tornados, cheias, tremores de terra…
Jimmy
levantou-se a um movimento da dona.
-
Amigos, até amanhã! Não pensem muito.
-
O homem é que devia pensar nas catástrofes telúricas como castigo.- gritou-lhe
Rissol.
-
Cala-te ou ainda te põem uma mordaça.- segredou a Filo - Não é o que fazem aos
que falam demais?
Jimmy
rosnou e Rubi olhou o companheiro com simpatia.
A
sentença fora do Gigi, que perguntou ainda:
-
Que achaste do Jimmy?
Os
focinhos viraram-se uns para os outros
-
O dono dele é deputado… ou secretário de Estado… ou coisa assim… - disse o
Rissol.
-
Isso quer dizer…
-
Que enche a barriga como os outros.
-
Quem?
-
Rubi, o deputado.
Estiveste
a dormir o tempo todo. – aventou o Filo.
-
Eu não durmo, dormito.
-
Deixem-no! Está com crise de personalidade…
E
abalaram.
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