“Um cão ladrou-me às canelas
mas eu não liguei ao cão.
O cão fechou as goelas.
Se lhe desse aceitação,
Isso é que seriam elas…”
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São
cinco cãezinhos de luxo que acompanham as respetivas donas, damas da “alta
sociedade”.
Todas
as tardes, estas figuras combinam reunir-se na esplanada do Casino, em
divertida cavaqueira, jogando a canasta, comentando escândalos e mostrando ao
mundo e umas às outras, as novidades da moda e os seus critérios morais,
enquanto paulatinamente, saboreiam chá e bolos.
A
cidade chama ao recinto o “Pátio das Galinhas”.
Debaixo
da mesa, enovelados em redor das pernas, a Lulu, o Gigi, o Rubi, a Filó e o
Rissol, saturados e sonolentos, decidiram quebrar o silêncio preconceituoso e
entabular conversa. Afinal pertenciam à mesma classe.
É
assim que nascem as crónicas sociais.
I
O
primeiro a falar foi o Rissol:
-
Já que passamos tanto tempo juntos e estamos destinados a ficar atrelados aos
pés das nossas donas, por que não criamos uma cumplicidade crítica ao
quotidiano que nos rodeia?
A
Lulu despertou:
-
Boa! Vem uma “seca” maior que o silêncio.
-
O espírito feminino…- obtemperou o Gigi.- É assim mas é feliz!
-
Vê lá! Estou em minoria mas posso fazer prevalecer a minha opinião.
-
És um resultado do movimento feminista. As mulheres emanciparam-se. Agora
queixam-se do excesso das tarefas. Casa, filhos e trabalho.
-
A juventude moderna masculina aceitou a divisão de tarefas. - sentenciou o Rubi
contra a apreciação da Filo.
Esta
redarguiu:
-
E se falássemos doutra coisa? O vírus do machismo-comodismo está sempre neles.
-
O quê, por exemplo?
-
Os feriados! – gritou o Gigi.- O 10 de Junho, o dia da Raça!
-
Ó pá! A gente já não tem raça nenhuma. O Camões e os Lusíadas nada trazem aos
da nova geração.-.Quem tem fome não recorda a História.
Rubi
mudou de posição.
-
Lá em casa ninguém dos miúdos gosta da obra.
-
Um feriado sabe sempre bem… - lembrou a Filo.
-
A quem trabalha, amiga. A quem trabalha. Que eu saiba, os políticos só gozam de
umas fériazitas… Lutam como doidos pelos nossos interesses. Vinte e quatro
horas por dia. – assegurou o Gigi.
Rissol
riu.
-
De que planeta é que tu desceste?
-
Vocês esquecem que os governantes não possuem horário. - teimou a Lulu em
defesa do amigo.
-
Pois! Os problemas avultam pela noite dentro e os coitados não repousam. Não há
tempo.
-
O Rissol, que era o único que não usava laço na coleira, insurgiu-se.
-
Não posso acreditar que vocês confiem nos ministros e em toda aquela panóplia
de promessas.
-
Meninos! Os nossos donos são privilegiados. Nós somos privilegiados.
A
irritação do Rissol atingiu o auge.
-
Deve-se ou não respeitar o dia de Camões?
Filo
argumentou:
-
Acabar com a efeméride é o mesmo que mudar o Hino Nacional, como um
ex-presidente da República alvitrou. Que raio de valores são os destes homens,
que atravessaram situações fulcrais e tão absurdamente esquecem símbolos que
são marcos que deveriam ser hereditários.
Lulu
lembrou:
-
Todos querem fazer diferente dos seus antecessores, para provar que constroem
alguma coisa.
-
Quem se lixa é o povo. E quando querem meter areia pelos olhos dentro?
A
frase fora do Rubi, que prosseguiu:
Vejam:
taxa de Desemprego. Mais baixa que a da nossa vizinha Espanha. Não dizem que
contribuiu para isso, a massa astronómica de emigração com famílias inteiras;
as reformas antecipadas; os cursos de formação, (uma anedota para ludibriar
ingénuos)… a baixa natalidade. O investimento no estrangeiro…
-
Eu insisto. Sou saudosista e prezo as glórias da minha terra. - murmurou a
Lulu. – 10 de Junho, 1º de Dezembro de 1640, 5 de Outubro de 1910. Qualquer dia
aparece outro alienado mental e acaba com o 25 de Abril, o 25 de Dezembro… como
aconteceu com o dia dos Finados. É só vir outro patusco… sem ideias
-
Então eles não estão a acabar com tudo? Escolas, Juntas de Freguesia, e outras
situações reduzidas a memoriais de outros tempos.
-
A modernidade não é contigo. - desdenhou o Rubi.
-
A crise, menino Gigi. A crise. Se não se poupasse, se não se fosse buscar
fundos ao bolso dos cidadãos contribuintes, não poderia haver as grandes galas
para receber a monarquia de além-fronteiras, para a pompa e circunstância da
trasladação de restos mortais…
-
Claro, claro, uns para o Panteão de S. Vicente e outros apenas com direito a
uma travessa ou nem isso.
-
Não sejas maldizente, Rissol. Lugares de honra consoante a craveira, o estofo
cívico…
-
Ah! Por isso é que o Almeida Garret tem o nome gravado por fora no sarcófago e
este não tem nada lá dentro. Ou não tinha?
-
Porquê? Deu lugar a outro?
-
E os carros “top gama”?
-
Filó enervou-se.
-
Havia de se formar uma poluição tão espessa… Falam nisso e não recordam o
deputado que ia para o Parlamento, de bicicleta.
-
Queres maior do que aquela que paira na atmosfera do Parlamento?
-
Pois! Até põe alguns a dormir.
-
Muitos, com vergonha de deixar cair a cabeça, escarafuncham o nariz.
-
As deputadas “garnisés” é que são geniais. No fim da acusação, ficam sempre com
cara de quem praticou uma boa ação.
-
Outra anomalia de quem, não sabendo resolver os problemas nacionais, muda
hábitos ancestrais. Refiro-me ao “Acordo Ortográfico”.
Antigamente, a disciplina de Português
estudava os étimos latinos. Hoje, suprimindo as letras, os jovens ficam sem
saber quais os vocábulos que descendem da via erudita e os que descendem da via
popular.
-
Mas tu julgas que na era informática, o vulgo se preocupa com isso? A Internet
tem solução para tudo.
-
Olha, o sogro da minha dona jura que não seguirá a mudança.
Os
brasileiros que nos copiem, se quiserem. Que mania esta de imitarmos toda a
gente.
-
Será que os homens se transformarão em robots?
A
dúvida saiu da Filo que, a um gesto da dona, se ergueu e se despediu
E
foi cada qual para seu lado com um “até amanhã, queridas” e cheirando o
traseiro uns dos outros.
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