Quando
as pátrias não podem suportar mais afrontas, surge o herói.
Ele
traça o postulado da tradição incorrupta. E entrega ao serviço da causa, ideais
sem fronteiras, a autenticidade das origens, o instinto de sobrevivência dos
cidadãos, baseado no seu perfil e na sua fibra patrióticas.
Alguma
vez, o solo e a raça deixaram de corresponder à imagem que se quis fazer deles?
Alguma vez, a gula e a cobiça abandonaram o estribo dos louros colhidos e o
confortável culto do passado?
Em
termos de virtude própria, a pátria sublinhou sempre a sua superioridade e primordialmente,
a sua individualização, o que se, por um lado, fez avultar a forte dependência
dos seus filhos, por outro, contribuiu para o êxodo das suas preferências, para
a procura de um invólucro coerente com as suas simpatias e com a sua dignidade,
quantas vezes ultrajada pela sujeição emigratória.
O
tempo provou que os homens partiam, proscritos ou de livre vontade mas não
esqueciam a terra que os embalou quando crianças. Tinham nas suas mãos, os
brinquedos e o futuro, povoado de sonhos e fantasias, desejos de conquista e de
exteriorização dos conhecimentos adquiridos e liberdade.
Ontem
como hoje, a incógnita do futuro, com o presente, obscuro e perverso que temos,
é mais do que dolorosa, é tenebrosa, flutua ao sabor da maré, ondula sobre as
vagas suportando-lhes a fúria e o imprevisto.
Que
cada um receba o embate sem que esteja minimamente preparado, a pátria não quer
saber, ignora a sua coragem, ou auxilia-o na derrocada. Não importa que se
oscile no desconhecido, se subverta no clima da corrupção, o propósito de
projetar a pátria e a imagem a que cada um se habituou por princípio e por
comodismo e por conformismo também. Jamais será o produto puro e acabado do sacrifício
e da imolação de quem a enalteceu e defendeu. Antes, exigirá sempre mais. Não
dará tréguas. Sugará o sangue como um vampiro. Provocará desgostos físicos e
morais. Enfermará sempre de capricho e de egoísmo.
A
igualdade que suscita a educação cívica, a fraternidade pela ingenuidade e pela
promessa dos direitos humanos; a liberdade
na crença, na tolerância, são as prerrogativas que definem épocas com o
mesmo desplante com que põem a nu, contornos e fraquezas.
A
pátria sobrevive mas o homem corrompe-se. E corrompendo-se, aniquila todos os
projetos que visem benefícios para a comunidade. O que ainda lhe pode erguer a
fronte, é o seu sonho. São os sonhos que constituem os domínios, as esferas de
ação, a aventura e o altruísmo. Através deles, os povos avultam pelo
florescimento das relações, mergulham no enigma das culturas, no painel de
outros usos e costumes.
Tudo
quanto permite ao homem transpor o limite máximo da sua especialidade contribui
para que a epopeia, seja conforme a sua linhagem e compreendida a amargura que
o acompanhou no esforço heróico de se situar no tempo. Dar ao mundo a
perspetiva desse esforço.
A
civilização responde pelos seus atos. A cultura imprime-os e classifica-os.
Todavia, o solo que se propõe à crítica do futuro é apenas um bem supremo que
agita o sangue e a guelra de quem nasceu para o perpetuar e vincar as suas
particularidades mais subtis.
São
elas que recortam a mentalidade moderna, a sensibilidade dos tempos idos,
explicam o fenómeno social e remetem a heurística e a Hermenêutica para aqueles
a quem cabe a excitante procura pelas atitudes e estádios de outros génios. Não
nos aproximamos dos monumentos ou documentos escritos com a paixão do
arqueólogo ou do paleógrafo. Inquirimos apenas subserviências de conteúdo. Nunca
justificamos os idealistas. Saboreamos com deleite a acuidade de certos
conceitos, a vida episódica, os escândalos, o chiste das polémicas.
O
herói é assim apreendido pela rama.
Nos
factos de antanho, o herói não nos faz esquecer os nossos antepassados. Haja o que
houver, cantem-nos como nos cantarem, seremos sempre uma síntese, mais ou menos
acelerada, mais ou menos objetiva do tronco que nos serviu de berço, o estigma
que resultou da nostalgia dessa herança.
Pode
a moral cair em farrapos, podem os conflitos gerar hecatombes, a rebeldia
sufocar o pranto e a dor, o herói colocará sempre em foco a consciência da sua
época, porá no seu lugar, a dimensão real dos valores por que lutou.
Camões
não foi exceção nem a pátria que ele celebrou. Predestinado ou não, pela ação e
pelo discurso, feriu as artérias mais sensíveis. Fez o que mais ninguém
conseguiu fazer.
Hoje,
seria outra, a temática dos Lusíadas, outra a invocação do “fantástico” e menos
virtuosa a realidade. Teria visto com outros olhos, a fraude da sua geração, a
problemática da hegemonia marítima em que a ambição e o desejo de expansão se
confundiam, posto em dúvida a política de cruzada e de cristianização.
Mas
cabe agora perguntar se haverá alguém que nos cante e nos defina pelos feitos
de hoje? A inspiração não descamba para o satírico? A valentia revolucionária
para o ridículo ou para a indiferença?
Que
temos para a posteridade digno de ser lembrado? Que fica na memória dos jovens?
Que
feitos? Que pessoas? Que engenho?
Que
legado deixamos aos nossos herdeiros?
Os
que se foram não deixaram sucessores com a mesma garra. O buraco alargou-se, o
lodaçal em que estrebucham faz fugir muitos com a cauda entre as pernas.
Não
há lugar para um novo Lusíadas, pois não há matéria para celebrar com caráter
de vitória. Em nenhum campo de atuação. Nem em saúde, nem em educação, nem em
justiça.
É
urgente mudar, Estabelecer planos a favor das áreas carenciadas que, incentivadas,
produzem a riqueza do país. Mudar através da produção, das soluções que sabemos
serem imprescindíveis para o progresso do povo, sem exigir dele sacrifícios mas
sim colaboração.
Onde
está o herói que transforme os interesses partidários em bem-estar coletivo?
Se
o não fizermos quanto antes, esquecemos o ideal da pátria, a pátria de onde
somos oriundos, a pátria que se fez eco das nossas memórias, que ditou lições
ao exterior, a pátria que, cansada de suportar mais afrontas, lembra aos homens
de hoje que
CONSTRUIR
O FUTURO É VENCER O PASSADO
e
não ficar agarrado a ele, embrulhado num saudosismo decrépito e cadavérico.
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