sexta-feira, 18 de janeiro de 2013

Francisco Lezcano


Monstro Sagrado da Pintura Espanhola


19 de Janeiro de 2013


Francisco Lezcano nasce em Barcelona, em 1934. Dois anos depois, a família transfere-se para Las Palmas de Gran Canária. É o período trágico da II Guerra Mundial e a eclosão de Guerra Civil em Espanha. Espanhóis contra espanhóis lutam não por bens mas por ideais. Transparece a utopia da doutrina anarquista. As tendências debatem-se entre um socialismo recalcitrante e confuso e uma monarquia católica saudosista dos gloriosos dias da Espanha imperial.
Em contacto com o sortilégio das Canárias, “as ilhas afortunadas”, a esplendorosa paisagem que o envolve e o exuberante colorido das suas gentes, Francisco cresce. Cresce mas não esquece.
Nele, a paixão pela natureza é uma qualidade nata com predominância pelos mistérios que adivinha nos fundos oceânicos, nas grutas e nos vulcões. Data dessa época, uma inspiração acentuada na flora e fauna marítimas e ao seu despertar para a ciência paleontológica, junta o prazer de aprofundar outras ciências.

Viaja pela península. Conhece bem Madrid. Mas conhece melhor a sua ilha. Ela é o oásis onde pode abandonar-se sem perturbação, ao potencial criativo que há-de fazer dele um artista e um humanista.

A agitação que ameaça fazer deflagrar o ocidente e exibir a concupiscência de outros potentados não o deixa indiferente. Intensifica em si um sentido de penetrante acuidade, retemperada em sonhos de esperança desencadeada em verdadeira angústia social, que se avoluma tão vertiginosamente como o ritmo da civilização que a provoca.
Em 1967, instala-se na capital espanhola para trabalhar como técnico num departamento de engenharia de uma multinacional, situação que lhe não é de forma alguma confortável. Desenvolve, no entanto, intensa atividade literária e realiza as suas primeiras esculturas de grandes dimensões. Pertence ao Comité Diretivo dos Amigos da Unesco em Madrid. Mais tarde, a Televisão revelará dele uma outra faceta, a de desenhador humorístico.
Dotado de uma índole sensível, extraordinariamente percetiva, procura as grandes profundidades, as montanhas silenciosas, a amplidão dos horizontes. Identifica-se com os problemas do seu tempo e toma parte nos movimentos que visam contribuir para a paz e unidade mundiais. Esta atitude, como era de esperar, repercute-se no regime, que o persegue, lhe apreende a vasta biblioteca e põe em risco a segurança da família.
Depois de uma exposição de pintura na galeria “Tosão de Ouro” e de um emocionante recital de poesia, abandona Espanha.
Asilado político pela Amnistia Internacional, organismo que, na Bélgica, protege os políticos estrangeiros perseguidos, Francisco entra em contacto com um clima fértil em experiências culturais em vários campos de expressão criativa que lhe permitem desenvolver outras capacidades latentes e enriquecer a ampla proposição de uma fascinante escalada para o imaginário.
Do desenho simbólico-surrealista passa ao abstrato. Da pintura expressionista-simbólica abre clareira ao subjetivismo, corrente nele muito especial onde o traço audaz impõe a trajetória do enigma humano e o remorso pelas verdades desprezadas; onde a cor é simultaneamente acusação e renascimento.
Mas o artista não é só o pintor. Multifacetado pela poesia, e pela prosa, publica vários livros, inclusive de ciência-ficção e ficção científica.
E sobretudo, pensa. A sua vida é uma permanente reflexão. E escreve. Escreve sem cessar. Do verso intimista envereda para o libelo acusatório, abrangendo as questões de ordem sociológica. Da prosa fantasista, característica de uma juventude ardente e insubmissa, ingressa pelo caminho da Ciência, Química, Alquimia, Metafísica. A cumplicidade da matéria aliada à força do espírito.
Cada experiência, cada vivência. Chamam-lhe “colosso”. “O homem das mil almas”. Não é exagero metafórico. Quando tal acontece, pintar e atuar ligam-se de forma indestrutível, não propriamente pelo ambiente cultural que respira, mas pelo seu caráter para quem todo o local serve para receber a mensagem do seu génio.

Expõe no Palácio das Nações Unidas, em Genebra; expõe em pleno descampado para os rurais. Motivam-no a comunicação, o diálogo. Quando fala tem sempre algo a dar, a ensinar.
Impossível se me torna, em espaço tão exíguo, ocupar-me na íntegra, da personalidade rica e versátil deste pintor da Catalunha, sem me sentir infinitamente frustrada porque por muito que me espraie, ficarão muitos dados por revelar, por decantar. E porque pegar-lhe, significa não saber por onde começar e, uma vez apanhado, não o poder largar mais.
Por esta razão, convencionámos, eu e o pintor, escrever a sua biografia onde cada episódio e marco da sua vida pessoal e artística, dentro de cada vertente, específica, mostre ao público a odisseia deste viajante incansável, que divide o seu calendário entre França e Canárias, depois de expor em todas as capitais europeias, designadamente Berlim, Lisboa e Porto, esta, na Faculdade de Ciências, convidado pelo Diretor do Museu de História Natural, Dr. Francisco Sodré.
Em várias entrevistas, Francisco revelou-me a fibra de que é feito e certos pormenores do seu percurso intelectual, enriquecido com histórias fascinantes da sua carreira de homem livre sem sujeição a credos ou sistemas.
Infatigável paladino do traço e da cor, deixa memórias em cada local onde realiza os seus certames, promove conferências e estimula o debate. É um excelente conversador, de palavra fluente, elegante e límpida, tão sedutora que podemos estar a ouvi-lo durante horas, tal e qual como se lêssemos um álbum de curiosidades, diria mesmo, um almanaque rocambolesco de peripécias e aventuras.
Não obedece a correntes, estilos ou escolas. Entre acrílicos e “terras”, a sua pintura é considerada de vanguarda, sem antecessor nem percursor. Mas ficará para as gerações posteriores.

Em dado momento confessa:

“Exposições individuais, realizei-as nas Canárias, Espanha, França, Suíça, Itália, Alemanha, Holanda, Bélgica, Inglaterra. E não só nas cidades importantes, Las Palmas, Madrid, Paris, Lyon, Toulouse, Turin, Verona, Bruxelas, Amesterdão, Londres, Wiswaden, mas também em povoações, aldeias, em pleno campo, em terreno ocupado por ecologistas, em Alsácia…”

E a seguir:

“…O que consigo no âmbito artístico, nas minhas exposições, investigações, viagens, contactos, é o resultado de horas de estudo e de trabalho incessante e viver num país onde há muita gente que se interessa pela cultura, pelas inovações, pela criatividade.”


Nas mensagens continuarei a homenagem a Francisco Lezcano, publicando algumas entrevistas que lhe fiz em diversas datas, a fim de dar a conhecer ou salientar na memória, este vulto fantástico da pintura contemporânea.


Una enhorabuena, mi gran Amigo, y deseos de felicidad en tus primaveras siempre joviales y jóvenes como la Fénix.


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