Monstro Sagrado da
Pintura Espanhola
19
de Janeiro de 2013
Francisco
Lezcano nasce em Barcelona, em 1934. Dois anos depois, a família transfere-se
para Las Palmas de Gran Canária. É o período trágico da II Guerra Mundial e a
eclosão de Guerra Civil em Espanha. Espanhóis contra espanhóis lutam não por
bens mas por ideais. Transparece a utopia da doutrina anarquista. As tendências
debatem-se entre um socialismo recalcitrante e confuso e uma monarquia católica
saudosista dos gloriosos dias da Espanha imperial.
Em
contacto com o sortilégio das Canárias, “as ilhas afortunadas”, a esplendorosa
paisagem que o envolve e o exuberante colorido das suas gentes, Francisco
cresce. Cresce mas não esquece.
Nele,
a paixão pela natureza é uma qualidade nata com predominância pelos mistérios
que adivinha nos fundos oceânicos, nas grutas e nos vulcões. Data dessa época,
uma inspiração acentuada na flora e fauna marítimas e ao seu despertar para a
ciência paleontológica, junta o prazer de aprofundar outras ciências.
Viaja
pela península. Conhece bem Madrid. Mas conhece melhor a sua ilha. Ela é o
oásis onde pode abandonar-se sem perturbação, ao potencial criativo que há-de
fazer dele um artista e um humanista.
A
agitação que ameaça fazer deflagrar o ocidente e exibir a concupiscência de
outros potentados não o deixa indiferente. Intensifica em si um sentido de
penetrante acuidade, retemperada em sonhos de esperança desencadeada em
verdadeira angústia social, que se avoluma tão vertiginosamente como o ritmo da
civilização que a provoca.
Em
1967, instala-se na capital espanhola para trabalhar como técnico num
departamento de engenharia de uma multinacional, situação que lhe não é de
forma alguma confortável. Desenvolve, no entanto, intensa atividade literária e
realiza as suas primeiras esculturas de grandes dimensões. Pertence ao Comité
Diretivo dos Amigos da Unesco em Madrid. Mais tarde, a Televisão revelará dele
uma outra faceta, a de desenhador humorístico.
Dotado
de uma índole sensível, extraordinariamente percetiva, procura as grandes
profundidades, as montanhas silenciosas, a amplidão dos horizontes. Identifica-se
com os problemas do seu tempo e toma parte nos movimentos que visam contribuir
para a paz e unidade mundiais. Esta atitude, como era de esperar, repercute-se
no regime, que o persegue, lhe apreende a vasta biblioteca e põe em risco a
segurança da família.
Depois
de uma exposição de pintura na galeria “Tosão de Ouro” e de um emocionante
recital de poesia, abandona Espanha.
Asilado
político pela Amnistia Internacional, organismo que, na Bélgica, protege os
políticos estrangeiros perseguidos, Francisco entra em contacto com um clima
fértil em experiências culturais em vários campos de expressão criativa que lhe
permitem desenvolver outras capacidades latentes e enriquecer a ampla
proposição de uma fascinante escalada para o imaginário.
Do
desenho simbólico-surrealista passa ao abstrato. Da pintura
expressionista-simbólica abre clareira ao subjetivismo, corrente nele muito
especial onde o traço audaz impõe a trajetória do enigma humano e o remorso
pelas verdades desprezadas; onde a cor é simultaneamente acusação e
renascimento.
Mas
o artista não é só o pintor. Multifacetado pela poesia, e pela prosa, publica
vários livros, inclusive de ciência-ficção e ficção científica.
E
sobretudo, pensa. A sua vida é uma permanente reflexão. E escreve. Escreve sem
cessar. Do verso intimista envereda para o libelo acusatório, abrangendo as
questões de ordem sociológica. Da prosa fantasista, característica de uma
juventude ardente e insubmissa, ingressa pelo caminho da Ciência, Química,
Alquimia, Metafísica. A cumplicidade da matéria aliada à força do espírito.
Cada
experiência, cada vivência. Chamam-lhe “colosso”. “O homem das mil almas”. Não
é exagero metafórico. Quando tal acontece, pintar e atuar ligam-se de forma
indestrutível, não propriamente pelo ambiente cultural que respira, mas pelo
seu caráter para quem todo o local serve para receber a mensagem do seu génio.
Expõe
no Palácio das Nações Unidas, em Genebra; expõe em pleno descampado para os
rurais. Motivam-no a comunicação, o diálogo. Quando fala tem sempre algo a dar,
a ensinar.
Impossível
se me torna, em espaço tão exíguo, ocupar-me na íntegra, da personalidade rica
e versátil deste pintor da Catalunha, sem me sentir infinitamente frustrada
porque por muito que me espraie, ficarão muitos dados por revelar, por
decantar. E porque pegar-lhe, significa não saber por onde começar e, uma vez
apanhado, não o poder largar mais.
Por
esta razão, convencionámos, eu e o pintor, escrever a sua biografia onde cada
episódio e marco da sua vida pessoal e artística, dentro de cada vertente,
específica, mostre ao público a odisseia deste viajante incansável, que divide
o seu calendário entre França e Canárias, depois de expor em todas as capitais
europeias, designadamente Berlim, Lisboa e Porto, esta, na Faculdade de
Ciências, convidado pelo Diretor do Museu de História Natural, Dr. Francisco
Sodré.
Em
várias entrevistas, Francisco revelou-me a fibra de que é feito e certos
pormenores do seu percurso intelectual, enriquecido com histórias fascinantes
da sua carreira de homem livre sem sujeição a credos ou sistemas.
Infatigável
paladino do traço e da cor, deixa memórias em cada local onde realiza os seus
certames, promove conferências e estimula o debate. É um excelente conversador,
de palavra fluente, elegante e límpida, tão sedutora que podemos estar a
ouvi-lo durante horas, tal e qual como se lêssemos um álbum de curiosidades,
diria mesmo, um almanaque rocambolesco de peripécias e aventuras.
Não
obedece a correntes, estilos ou escolas. Entre acrílicos e “terras”, a sua
pintura é considerada de vanguarda, sem antecessor nem percursor. Mas ficará
para as gerações posteriores.
Em
dado momento confessa:
“Exposições
individuais, realizei-as nas Canárias, Espanha, França, Suíça, Itália,
Alemanha, Holanda, Bélgica, Inglaterra. E não só nas cidades importantes, Las
Palmas, Madrid, Paris, Lyon, Toulouse, Turin, Verona, Bruxelas, Amesterdão,
Londres, Wiswaden, mas também em povoações, aldeias, em pleno campo, em terreno
ocupado por ecologistas, em Alsácia…”
E
a seguir:
“…O que consigo no âmbito artístico, nas
minhas exposições, investigações, viagens, contactos, é o resultado de horas de
estudo e de trabalho incessante e viver num país onde há muita gente que se
interessa pela cultura, pelas inovações, pela criatividade.”
Nas
mensagens continuarei a homenagem a Francisco Lezcano, publicando algumas
entrevistas que lhe fiz em diversas datas, a fim de dar a conhecer ou salientar
na memória, este vulto fantástico da pintura contemporânea.
Una enhorabuena, mi gran Amigo, y deseos de felicidad en tus primaveras
siempre joviales y jóvenes como la Fénix.
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