Segunda
Parte
F.L.
- As pessoas esqueceram-se de amar, amar as coisas, a terra, a areia, as
pedras, as rochas, as grutas, a erva, as plantas, as árvores, o bosque. Amar
desde o átomo até ao cosmos, desde a célula até ao ser humano. A raça humana
tem ainda que evoluir muito. Hoje, sente-se desgraçada porque se esqueceu da
ternura, do poema, da amizade, de pensar, de criar, de rir, de viver. A
existência tem dias de sol e dias de tormenta. O que conta para sobreviver é o
amor a tudo o que te rodeia, desde a pedra à flor, desde o pó ao planeta. A
dor, há que a esquecer. As injustiças também. O que conta é dar um sentido à
própria vida. Ser capaz de contemplar sentado um terramoto.
A.T.
- Coisa a que assististe já por várias
vezes. Bem, eu não serei tão imperturbável assim.
F.L. - Não é petulância. A
imperturbabilidade é só aparência. Não sei como explicar-to. Essa atitude é uma
espécie de consciência cósmica que me faz ver as coisas de outra maneira e que,
às vezes, não me facilita viver com as outras pessoas sem provocar reações
negativas, opostas às minhas verdadeiras intenções.
A.T.
– Mas na vida, ou se perde ou se ganha.
F.L.
- Perder ou ganhar são conceitos que eliminei de mim há muito tempo. Prefiro
realizar coisas. Arrancar sem pressas como o caracol, sempre seguro do local
onde quer chegar, capaz de deslizar pelo fio de uma navalha sem que a si
próprio cause dano. Mas se perco tudo, sou sempre capaz de recomeçar do zero.
A.T.
- Essa paciência deve trazer-te alguma
felicidade, suponho.
F.L.
– Sou feliz porque posso contar em cada dia com um céu estrelado e fantásticos
jogos de luzes de cada vez que o sol se vai ou vem.
A.T.
– Não te queixas da vida, então.
F.L.
– Não me queixo da vida, não tenho esse direito. Queixar-me, seria egoísta. A
minha existência é uma combinação de Aladino, Ulisses, Sindbad, ressalvando as
distâncias. Se tivesse que voltar a vivê-la, partindo do princípio, faria por
que todos os meus dissabores fossem, mais tarde ou mais cedo, compensados de
uma forma ou de outra.
A.T.
- Que pensas do conceito de lunático?
F.L.
- Chamam-me lunático?
A.
T. - Também me chamam a mim.
F.L.
- É formidável. Enquanto a massa te reconhece como lunática, ganhas a liberdade
de dizer o que queiras.
A.T.
- Não te parece que o homem será sempre
um condenado? Por não ser permitido à sua inteligência um vislumbre sequer da
resposta que procura?
F.L.
- Não creio que o homem se sinta condenado. Alguns poucos homens talvez possam
sentir-se condenados. Mas outros sentem-se vivos na sua busca pela verdade ou
vivendo a sua. A mim me parece sempre o cúmulo da pretensão crermo-nos capazes
de compreender, através de um intelecto infantil e de um cérebro que funciona
parcialmente, a integridade do cosmos nas suas polidimensões infinitas. Como
poderemos pretender o abstrato com a nossa perceção relativo-subjetiva? O
cosmos é como um diamante cujas facetas são infinitas. O ser humano com as suas
limitações, só pode perceber algumas delas, intuir outras. Talvez o resto se
nos torne visível com outra perceção diferente. Mais para além da morte?
A.T.
- Mas tu não acreditas na morte…
F.L.
- Acredito que as nossas energias se transformem para sobreviver de outra
maneira e contribuir para a existência do cosmos.
A.T.
- Não sei não, Francisco, se terias
lugar no seio das academias institucionalmente conservadoras. És um género
novo, investigador de uma nova antropologia.
F.L.
- Cada coisa é um centro. Cada coisa é o centro de nada e o centro de tudo. É
centro e periferia. Eu sou, por minha vez, centro, círculo, raio, diâmetro,
princípio e fim. Nós somos, estamos todos em todos; o abstrato e o relativo, o
objetivo e o subjetivo. Para se conseguir a harmonia em si mesmo, é necessário,
no momento certo, ter consciência do “eu” e recordar em seguida o “nós”.
Enfim,
por isto, tenho consciência de não dizer nada de novo, de ser sempre
simplesmente um eco, inclusive quando manifesto os meus pensamentos mais
íntimos, mais profundos.
A.T.
- Sabemos que ao longo dos séculos e
desde tempos imemoriais, os homens sempre se digladiaram. Em que credo politico
ou estrato social colocas a probabilidade de uma nova esperança, de uma nova
afetação ao amor universal?
F.L.
- Toda a forma politica ou social é um remendo se se baseia no progresso (?)
económico e no bem-estar material. A minha esperança está nessa juventude
universal, subterrânea ainda, que renasce em uma era “verseau”. Todos os
políticos nos propõem transformar-nos em enormes formigueiros, em colmeias, em
imensos rebanhos de carneiros bem alimentados. Nada disso nos dará o verdadeiro
progresso e a verdadeira felicidade.
A.T.
- Esteja onde estiver, no âmbito do
“raio”, “diâmetro”, “perímetro”, “objetivo” ou “subjetivo”, o espaço do homem
será sempre vazio. Como poderá alguma vez, identificar os seus anseios,
consentir que os solucionem a fim de reabilitar esse espaço vazio e com isso,
se reabilitar?
F.L.
- A história já no-lo disse. Se a sociedade da cultura do espírito onde a
criatividade sem finalidade de lucro se manifeste; onde o sonho não
materialista possa manifestar-se, realizar-se. Só uma sociedade onde a ternura
seja considerada uma força será positiva… De contrário, o planeta Terra
continuará produzindo idiotas quer se vistam de camisa branca e gravata, quer
usem crista de “punk”.
Em
1966, fiz a primeira entrevista a Francisco Lezcano, submetida ao tema
“Pacifismo 1960”, época em que o Artista, de 26 anos, aderia aos movimentos
pela Paz, contra a guerra nuclear.
Francisco
Lezcano veio, a Portugal em 1996 para expor, como se disse anteriormente, na
Faculdade de Ciências do Porto, os seus “terras” e “acrílicos”, que foram
apreciados durante todo o mês de Março, por muita gente, de todas as craveiras
sociais, intelectuais dos diversos ramos do Saber, estudantes, universitários,
alunos das escolas do ensino básico, secundário e primário. Seguida de uma
conferência e de um discreto “cocktail”, a exposição registou ainda a visita de
excursões de várias regiões do país, assim como turmas inteiras de escolas de
várias áreas e cursos, agendadas para “visitas de estudo” e muitos
estrangeiros.
Todos
os visitantes se foram encantados pela personalidade invulgar do Pintor e da
sua afabilidade de trato. Desde a abertura até ao encerramento, o diálogo
constante durante os dias, foi instrutivo e gratificante para todos os que o
conheceram e tiveram oportunidade de com ele conviver.
Antes,
no mês de Fevereiro desse ano, a convite do agora designado, Agrupamento
Vertical das Escolas Leonardo Coimbra (Filho), o Artista ministrou um curso de
Arte para professores de Desenho e Educação Visual e uma semana de aulas na
mesma área, após as quais finalizou com uma semana de conferências sobre os
caminhos da Arte e o seu predomínio na expressividade criadora.
Entretanto,
em 1999, na Academia de Arte japonesa Mokiti Okada, no Porto, teve lugar uma
exposição de Francisco, integrada na exposição floral, Ikebana, que
periodicamente os alunos daquela Academia levam a efeito. O Pintor não pôde
estar presente por se realizar na mesma data, outra exposição sua na Finlândia.
Atualmente,
expõe nas Canárias.
Proximamente,
farei aqui referência ao modo curioso e único como o Artista concebe os seus
próprios materiais e os afeiçoa à tela. Na qualidade de escritor, encontra-se a
escrever uma novela, “Canária”, depois de uma vasta bibliografia publicada.
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