domingo, 4 de novembro de 2012

HALLOWEEN


31 de Outubro de 2012


Dia das Bruxas

Tenho contacto com bruxas, assim como com fadas e príncipes encantados, gnomos e duendes, desde o tempo em que devorava esses livros de “histórias de encantar”. A bruxa era uma figura má, vestia de maneira grotesca e cavalgava uma vassoura, atravessando os espaços siderais.
Nunca me inspiraram receio até ao dia em que fui convidada para jantar em casa de amigos dos meus pais.
Eu era “um pisco”a comer. Nunca tinha fome. Nunca me apetecia nenhum prato ou acepipe, salvo bife muito mal passado e batatas fritas.
Quando serviram o frango, eu ainda estava na sopa e era certo e sabido que não me levantaria da mesa sem terminar a refeição. Ameaçaram-me com a entrada das bruxas na sala para me levarem se eu não comesse. Ri-me por dentro. Não acreditava nem um pouco. Era tudo produto da imaginação de quem escrevia aquelas fábulas.
Não dei conta, criança que era, da saída da mesa das filhas dos donos da casa, três adolescentes que, possivelmente combinadas com a mãe, se tinham ausentado sem dizer nada.
Tive a vaga percepção de que os circunstantes segredavam algo que não percebi mas me deu a impressão de que se referiam a bruxas e a qualquer outra coisa que respirava ameaça relacionada com a minha recusa em comer a sopa, sopa de cebola, um horror. Horror porque o caldo era constituído por bagos de arroz e bocados minúsculos daquele tubérculo que na opinião da senhora mais idosa, “era muito diurética”.
-Não comes, vem a bruxa e leva-te!
Instintivamente, olhei para a entrada e estremeci. Duas cabeças de bruxas espreitavam na esquina da porta, fazendo esgares hediondos que me instigaram a engolir a sopa sem mastigar.
Ainda hoje recordo os chapéus em bico e aba larga e os rostos de boca escancarada, de dentes arreganhados e pestanas negras, proeminentes. Um pouco do manto negro seguia o contorno da coluna que, no limiar do compartimento ostentava uma planta de folha oval Todo esse conjunto me confundiu. Não mais me atrevi a levantar os olhos do prato.
Na minha ingenuidade, não associei o quadro macabro às duas filhas da casa que, calmamente, voltaram para a mesa.
O nome “bruxas” acompanhou por algum tempo a minha infância. Como minha mãe tinha muita dificuldade em me obrigar a ingerir qualquer alimento, pintava-me o painel da “bruxa negra”, “a senhora das mãos sujas”. Quando eu passava na rua, ela exibia umas mãos que me pareciam enormes. Era uma mulher alta e magra, sempre enfarruscada. A sua profissão de carvoeira não lhe permitia andar limpa. Eu ficava aterrorizada, vendo-a salientar-se do quadrado do armazém onde ela arrumava os sacos de carvão e empilhava aqueles círculos do feitio de mós, cor de cinza, facilmente esboroáveis, habitualmente utilizados nas cozinhas antigas.
A mulher, mal me via, assomava de mãos erguidas, negra toda ela, coberta de farruscas, bata e avental, o que a tornava mais grotesca e gesticulava, dizendo:
- É melhor metê-la num dos meus sacos. Eu que saiba que a menina não come…
Outro que eu entreguei ao grupo dos feiticeiros, era o homem da Câmara, que limpava as praias no verão. Infundia-me muito respeito com o seu balde de latão, a pá e o ancinho, utensílios que ele empregava para recolher o lixo sólido.
Havia um outro episódio que me fazia gelar, quando a minha mãe me entregava ao banheiro na altura dos banhos. Eu era muito pequena para que me deixasse afrontar o mar sem auxílio. Os “banheiros” eram funcionários que auxiliavam os banhistas e frequentadores das estâncias balneares, tal como os “cabos do mar, fardados de branco”.
Ao colo do homem, eu sentia-me muito infeliz. Gritava, esperneava, dava-lhe bofetadas. Impossível vencer aquela força. Ele esperava calmamente a chegada da onda e quando ela se erguia, mergulhava-me dentro do seu arco e exibia-me ao alto, afastando os cabelos dos olhos. Fazia isto cinco ou seis vezes, considerando ser suficiente, visto que era diário. Felizmente, apenas na época balnear. A praia tinha muitos banheiros que levavam ao banho as crianças quando os familiares não se abalançavam mar dentro. Estes banhos, tomados como um desporto evitavam as gripes no Inverno, dizia-se. E o número de banhos tinha de ser ímpar. Eu chamava a cada um, que nunca era o mesmo, o “bruxo do mar”.

Remonta à civilização dos druidas, o hábito das danças burlescas, as festas pagãs em que as personagens eram figuras singulares, dotadas de poderes mágicos. Os anglo-saxónicos herdaram essa tradição e os magos, bruxas e feiticeiras espalharam-se pela Europa medieval.
Esta gente e tais práticas incomodavam a Igreja Católica pela influência que poderiam exercer no povo. A Inquisição, pela sentença do seu Tribunal, o Santo Ofício, condenava estes homens e mulheres a morrerem na fogueira, na praça pública, para exemplo de todos.
Nos tempos modernos, homenageia-se este dia com mascaradas, transformando esta efeméride em atos de diversão, onde a mímica, os esgares, a indumentária, a música e as danças irradiam alegria de forma bem expressiva.
As abóboras desempenham um papel divertido com a imitação de rostos hediondos provocados por uma vela acesa colocada no seu interior depois de lhe ser retirado o miolo e aberto os buracos nos lugares da boca, nariz e olhos.
O mágico Merlin, da corte do rei Artur e as suas poções coloridas em vidrinhos transparentes, expelindo espirais de fumo, ainda nos nossos dias, não deixam de entusiasmar a imaginação infantil, ao lado de um jogo da play station.
Atualmente, acho as bruxas muito interessantes, quando representadas em bonecas artesanais, de vestuário super colorido, o que lhes dá um aspeto de simpatia, principalmente quando são miniaturas.
A minha infância foi marcada por muitos serões em que os meus pais, tios ou amigos se reuniam após o jantar e se conversava, se jogava as cartas e sobretudo, se contavam histórias vindas de antepassados.
Na aldeia da minha avó, alguém, apaixonado, servira-se de uma abóbora para em noite de lua cheia assustar o seu rival que pretendia a mesma rapariga e sabia que era supersticioso. Tal acontecimento verídico inspirou mais tarde, o meu conto ”O Fantasma do Pinhal”.
Contavam também que as bruxas se juntavam à meia-noite, no lugar dos Quatro Caminhos. Ninguém desejaria passar por aquele lugar àquela hora se não quisesse sofrer um feitiço.
Estes serões causavam-me muito prazer e excitação e o que neles se contava, fazia arder a minha imaginação.
Possuo hoje quatro bruxinhas feitas de palhinha que formam um bibelot. Em conluio umas com as outras, no seu tamanho de oito centímetros, guardam estes medos da minha meninice que acabaram por adquirir a forma de sorrisos.



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