31 de Outubro de 2012
Dia das Bruxas
Tenho contacto com bruxas, assim
como com fadas e príncipes encantados, gnomos e duendes, desde o tempo em que
devorava esses livros de “histórias de encantar”. A bruxa era uma figura má,
vestia de maneira grotesca e cavalgava uma vassoura, atravessando os espaços
siderais.
Nunca me inspiraram receio até ao
dia em que fui convidada para jantar em casa de amigos dos meus pais.
Eu era “um pisco”a comer. Nunca
tinha fome. Nunca me apetecia nenhum prato ou acepipe, salvo bife muito mal
passado e batatas fritas.
Quando serviram o frango, eu
ainda estava na sopa e era certo e sabido que não me levantaria da mesa sem
terminar a refeição. Ameaçaram-me com a entrada das bruxas na sala para me
levarem se eu não comesse. Ri-me por dentro. Não acreditava nem um pouco. Era
tudo produto da imaginação de quem escrevia aquelas fábulas.
Não dei conta, criança que era,
da saída da mesa das filhas dos donos da casa, três adolescentes que,
possivelmente combinadas com a mãe, se tinham ausentado sem dizer nada.
Tive a vaga percepção de que os
circunstantes segredavam algo que não percebi mas me deu a impressão de que se
referiam a bruxas e a qualquer outra coisa que respirava ameaça relacionada com
a minha recusa em comer a sopa, sopa de cebola, um horror. Horror porque o
caldo era constituído por bagos de arroz e bocados minúsculos daquele tubérculo
que na opinião da senhora mais idosa, “era muito diurética”.
-Não comes, vem a bruxa e
leva-te!
Instintivamente, olhei para a
entrada e estremeci. Duas cabeças de bruxas espreitavam na esquina da porta,
fazendo esgares hediondos que me instigaram a engolir a sopa sem mastigar.
Ainda hoje recordo os chapéus em
bico e aba larga e os rostos de boca escancarada, de dentes arreganhados e pestanas
negras, proeminentes. Um pouco do manto negro seguia o contorno da coluna que,
no limiar do compartimento ostentava uma planta de folha oval Todo esse
conjunto me confundiu. Não mais me atrevi a levantar os olhos do prato.
Na minha ingenuidade, não associei
o quadro macabro às duas filhas da casa que, calmamente, voltaram para a mesa.
O nome “bruxas” acompanhou por
algum tempo a minha infância. Como minha mãe tinha muita dificuldade em me
obrigar a ingerir qualquer alimento, pintava-me o painel da “bruxa negra”, “a
senhora das mãos sujas”. Quando eu passava na rua, ela exibia umas mãos que me
pareciam enormes. Era uma mulher alta e magra, sempre enfarruscada. A sua
profissão de carvoeira não lhe permitia andar limpa. Eu ficava aterrorizada,
vendo-a salientar-se do quadrado do armazém onde ela arrumava os sacos de
carvão e empilhava aqueles círculos do feitio de mós, cor de cinza, facilmente
esboroáveis, habitualmente utilizados nas cozinhas antigas.
A mulher, mal me via, assomava de
mãos erguidas, negra toda ela, coberta de farruscas, bata e avental, o que a
tornava mais grotesca e gesticulava, dizendo:
- É melhor metê-la num dos meus
sacos. Eu que saiba que a menina não come…
Outro que eu entreguei ao grupo
dos feiticeiros, era o homem da Câmara, que limpava as praias no verão.
Infundia-me muito respeito com o seu balde de latão, a pá e o ancinho,
utensílios que ele empregava para recolher o lixo sólido.
Havia um outro episódio que me
fazia gelar, quando a minha mãe me entregava ao banheiro na altura dos banhos.
Eu era muito pequena para que me deixasse afrontar o mar sem auxílio. Os
“banheiros” eram funcionários que auxiliavam os banhistas e frequentadores das
estâncias balneares, tal como os “cabos do mar, fardados de branco”.
Ao colo do homem, eu sentia-me
muito infeliz. Gritava, esperneava, dava-lhe bofetadas. Impossível vencer
aquela força. Ele esperava calmamente a chegada da onda e quando ela se erguia,
mergulhava-me dentro do seu arco e exibia-me ao alto, afastando os cabelos dos
olhos. Fazia isto cinco ou seis vezes, considerando ser suficiente, visto que
era diário. Felizmente, apenas na época balnear. A praia tinha muitos banheiros
que levavam ao banho as crianças quando os familiares não se abalançavam mar
dentro. Estes banhos, tomados como um desporto evitavam as gripes no Inverno,
dizia-se. E o número de banhos tinha de ser ímpar. Eu chamava a cada um, que
nunca era o mesmo, o “bruxo do mar”.
Remonta à civilização dos
druidas, o hábito das danças burlescas, as festas pagãs em que as personagens
eram figuras singulares, dotadas de poderes mágicos. Os anglo-saxónicos
herdaram essa tradição e os magos, bruxas e feiticeiras espalharam-se pela
Europa medieval.
Esta gente e tais práticas
incomodavam a Igreja Católica pela influência que poderiam exercer no povo. A
Inquisição, pela sentença do seu Tribunal, o Santo Ofício, condenava estes
homens e mulheres a morrerem na fogueira, na praça pública, para exemplo de
todos.
Nos tempos modernos,
homenageia-se este dia com mascaradas, transformando esta efeméride em atos de
diversão, onde a mímica, os esgares, a indumentária, a música e as danças
irradiam alegria de forma bem expressiva.
As abóboras desempenham um papel
divertido com a imitação de rostos hediondos provocados por uma vela acesa
colocada no seu interior depois de lhe ser retirado o miolo e aberto os buracos
nos lugares da boca, nariz e olhos.
O mágico Merlin, da corte do rei
Artur e as suas poções coloridas em vidrinhos transparentes, expelindo espirais
de fumo, ainda nos nossos dias, não deixam de entusiasmar a imaginação
infantil, ao lado de um jogo da play station.
Atualmente, acho as bruxas muito
interessantes, quando representadas em bonecas artesanais, de vestuário super
colorido, o que lhes dá um aspeto de simpatia, principalmente quando são
miniaturas.
A minha infância foi marcada por
muitos serões em que os meus pais, tios ou amigos se reuniam após o jantar e se
conversava, se jogava as cartas e sobretudo, se contavam histórias vindas de
antepassados.
Na aldeia da minha avó, alguém,
apaixonado, servira-se de uma abóbora para em noite de lua cheia assustar o seu
rival que pretendia a mesma rapariga e sabia que era supersticioso. Tal
acontecimento verídico inspirou mais tarde, o meu conto ”O Fantasma do Pinhal”.
Contavam também que as bruxas se
juntavam à meia-noite, no lugar dos Quatro Caminhos. Ninguém desejaria passar
por aquele lugar àquela hora se não quisesse sofrer um feitiço.
Estes serões causavam-me muito
prazer e excitação e o que neles se contava, fazia arder a minha imaginação.
Possuo hoje quatro bruxinhas
feitas de palhinha que formam um bibelot. Em conluio umas com as outras, no seu
tamanho de oito centímetros, guardam estes medos da minha meninice que acabaram
por adquirir a forma de sorrisos.
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