Reflexão III
Às vezes, o silêncio é de ouro. Mas, por vezes, mata.
Há coisas que se devem dizer. Outras há que têm de ser silenciadas. Depende. É
chegada a este ponto da questão que busco um conselho junto do meu Criador. O
que vou dizer? O que devo saber? Ele ensinou-me que as palavras cuja fibra são
sentimentos de ódio, nunca devem ser pronunciadas. As outras que revelam amor,
carinho, compreensão, solicitude, essas, são um turíbulo de incenso na relação
com o próximo. Nestas, a sinceridade tem um esquema magnífico para a existência
humana e traduz uma procura incessante de felicidade e equilíbrio sociais.
Mas não é neste pormenor que eu me sinto perdida. Não.
Não é neste particularismo de alma solidária que eu procuro a companhia de
Deus. Ele já sabe que a minha dúvida se instalou com crueldade e que se não me
valer a sua ajuda, eu vou andar por aqui à toa, sem porto de acolhimento.
De que vale olhar a água banhada pelo sol, inebriar-me
com o seu brilho tão intenso que parece um riso? De que vale escutar as vozes
dos seixos na orla da praia e descobrir ritmos e murmúrios que emprestam ao ar
uma impressão de leveza? As vozes de criaturas que desabafam, põem a nu o seu
intimismo, desdobram-se em dádivas de fonemas que são outras tantas confissões
da sua expressão mais profunda, valem de alguma coisa? Alguém lhes reconhece a
importância?
A linguagem de uma espiga, de um pássaro, de um peixe,
de uma pedra, de um astro traz mil e uma interpretações. A voz das areias no
deserto, das ondas de um oceano, dos enigmas glaciares, das noites tropicais
são no seu conjunto um imenso diálogo revelado ao coração de cada um e onde não
há segredos para esconder mas respostas às nossas questões que acabam por ser
memórias gratas a eternizar.
Mas eu? Por que estou obrigada a um silêncio que
guarda a essência de um nobre sentimento? Por que ocultá-lo apenas porque a sua
pura beleza e vernaculismo não são compreendidos pela vulgaridade? E vai talvez
rachar um pedestal, manchar uma aparência?
A natureza não é convencional. É real, transparente.
Não usa de sofismas, ardis ou malícia. Por isso, se torna soberana.
Concretamente singela, poderosamente persuasiva, é a voz do meu Criador. Não se
reduz ao silêncio e as suas revelações não magoam mesmo quando anunciadas por
uma tempestade. O meu silêncio mata. Se o não quebrar, pode despedaçar o melhor
de mim. Debilita-se e debilita-me. Murcham os seus anseios de confidência. A
minha voz estiola-se, não transmite este ideal de alma, verdadeiro elixir para
o que sofre e tem ânsia de desabafar.
Silêncio de ouro se não encontro quem saiba ouvir-me,
compreender-me, aconselhar-me. Silêncio de morte se não possuo discernimento
suficiente para escolher o eco dos meus gemidos, das minhas querelas, como o vale
da montanha mais sólida onde posso expor sem receio de irónico sorriso ou
aleivosia sórdida, o mais recôndito dos meus sentimentos.
O cântico de aleluia que busco transforma-se em canto
de cisne se o nosso parceiro nos desilude.
O suspiro de alívio desejado estrangula-se na
garganta. Quando o silêncio mata, quem salva a verdade? Quando o silêncio é de
ouro, a verdade mata por dentro, mas não queima as maravilhas de uma mensagem,
a da confiança, a do sentimento fraterno que defende na tragédia e glorifica na
paz.
Curvo a minha cabeça e espero.
Que mérito terei com o meu silêncio de ouro, que não
mata, salvando a verdade de outrem? Que atributos me concede o universo divino?
Não estou a oferecer ouro falso? Ou então, ouro de lei, oculto como uma
relíquia, egoisticamente ignorado? Quando forem apagadas as minhas deduções
tempestuosas e me sentir liberta de toda a perturbação, é porque encontrei o
caminho de ouro do silêncio. A oportunidade de ouro do silêncio. Concluo que
alguma coisa aprendi nesta interiorização e reconheço que, mais uma vez me não
desapontaste.
Que importa, pois, que os homens me desapontem? Que a
humanidade me desaponte?
Devo silenciar que te contemplo sempre que o meu olhar
poisa nas coisas?
Que te recordo, sempre que a minha alma se regozija?
Que me sinto em unidade contigo, encontrando sinais da tua presença em tudo
quanto me acontece e respostas através dos sons mais elementares?
Que se pode esperar de mim, do meu silêncio
persistente das palavras, quando me inspiras a fazer parte da tua natureza?
É então que me indicas o silêncio de ouro, o silêncio
que mata e a verdade que salva
Orientando-me pelos da minha consciência.
Adorei esta reflexão, identificando-me plenamente com ela e constatando que de facto, tenho bem a quem sair... Como eu compreendo este texto... Obrigada minha mãe pela oportunidade que dás a todos nós em ler tão sábias palavras. :)
ResponderEliminarSim, as respostas surgem a cada momento, acerca de tudo. Não surgem quando queremos. Tudo obedece a uma Ordem. Mas se estivermos atentos, descobrimos; se estivermos calmos, compreendemos; se fizermos análises intuitivas, chegamos a conclusões que, de forma irada e precipitada, nunca chegaríamos. Por outro lado, não obedecer a esses pequenos demónios que nos inspiram a ira. A ira conduz à destruição. Um indivíduo irritado desarma-se facilmente perante aquele que não perde a serenidade. Mas, é claro, é preciso treino, habituar-se a ter pensamentos sempre positivos, embora custe suportar orgulhos feridos. Jesus Cristo era “manso e humilde de coração” e, no entanto, expulsou os vendilhões do templo. Não podia ser de outra maneira. Uma vez que seja, impõe-se a supremacia da razão de forma radical, àquelas que são tão ciosas dos seus interesses, que não aceitam ser contrariadas. Há sempre uma vez…e mais uma, sem exemplo.
EliminarRegozijo-me por pensares assim. Revigora a tua energia. A felicidade constrói-se de pequenas coisas. Saibamos encontrar nelas os reflexos que fazem brilhar a nossa paz e exercitar a prioridade contemplativa, o pensamento no caminho certo. Neste treino, a nossa intuição aperfeiçoa-se muito. Fico muito feliz por ti.