terça-feira, 26 de junho de 2012

ARRAIAIS


Chegou a quadra dos folguedos, das festas tradicionais das regiões nacionais, apreciadas e mantidas pelo povo português. Os santos populares, patronos de cada localidade, são homenageados com muito alarido, onde não faltam os foguetes, as bandas musicais, os ranchos folclóricos e a comida que deu fama aos seus inventores e ao rincão onde é confeccionada pelas características dos sabores e ingredientes.
Desde criança que me familiarizei com um dos santos populares, o famoso S. João, assistindo, principalmente com o meu pai, às diversões que eram o encanto da multidão, sem discriminação de idades. A “montanha russa”, os carroceis, as barracas de jogos onde, por acaso, podia ser a nossa, a senha premiada, e a das farturas com o gosto predominante do açúcar, enchiam-nos de alegria. Apenas contemplávamos do lado de fora, o “poço da morte”. Meu pai não quereria que me impressionasse.
Eu era pouco mais alta do que a sua cintura mas tomava a iniciativa de protagonizar alguma particularidade. Assim é que me fiz perita na condução dos “carros de choque” de forma a que o proprietário daquela superfície, através dos altifalantes, me elogiou publicamente, com despeito de alguns adultos, engarrafados uns nos outros sem gozar o tempo do circuito. Isso envaidecia-me porque devia a preferência a meu pai que me ensinara todos os reflexos. Para os meus dez anos, era fantástico.
Simpatizo com a memória destes três santos, Santo António, o erudito, S. João e S. Pedro, ambos mártires, cada um na sua época. Só não compreendi nunca como de tragédias tão impressionantes e de figuras tão sérias, se construam motivos de tanta euforia que induzem a ignorar o que na realidade aconteceu na vida carismática destes homens.
Não têm nada a ver. Nem sei se gostarão de tal prestígio.
É claro que não são de desprezar a bela e saborosa sardinha assada e o prazer de a comer pegando-lhe pelas pontas dos dedos; os pimentos de cores diversas que a mãe natureza consentiu que se criassem, a salada de alface e tomate, o vinho a borbulhar nas taças, os doces. Mas recordo que, segundo os anais da heurística e da hermenêutica, o alimento habitual de S. João eram gafanhotos e mel silvestre. Foi considerado profeta, pressagiando o nascimento de Cristo. E por denunciar a vida de luxúria da corte de Herodes, por dizer a verdade, decapitaram-no, obedecendo aos princípios bárbaros da consciência monárquica. Santo António tinha como ouvintes da sua oratória, os peixes, cujo interesse era de tal ordem que mantinham a cabeça fora das ondas. Quadros se pintaram sobre esse tema. S. Pedro, crucificado, a seu pedido, de cabeça para baixo, no tempo de Nero, foi um pregador da doutrina cristã, inspirador no movimento das massas.
Todas as culturas possuem as suas lendas. E os costumes vindos dos nossos ancestrais, evocam reminiscências de um certo paganismo, ao estilo barroco. Apenas os ícones, não sendo deuses, são emissários de um Deus único, como monoteístas que somos.
O coração do povo revela-se nas romarias, nas suas procissões com as suas estatuetas de argila., os seus “anjos” de carne e osso, o cumprimento das promessas nas capelas a abarrotar de flores e de gente, uma mescla de contritos e curiosos, conterrâneos e forasteiros, cujo único impulso é o divertimento, o convívio pitoresco, o prato favorito.
Não há pois porque desdenhar da simplicidade do povo quando “faz o que vê fazer”. Nem criticar os que montam negócio à custa da fé ingénua de muitos, porque “na terra de cegos, quem tem olho é rei”
E lá disse o rei quando a fidalga perdeu a liga e ele, galantemente a apanhou:
“Honni soit qui mal y pense”.

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