Chegou a quadra dos folguedos, das festas
tradicionais das regiões nacionais, apreciadas e mantidas pelo povo português.
Os santos populares, patronos de cada localidade, são homenageados com muito
alarido, onde não faltam os foguetes, as bandas musicais, os ranchos
folclóricos e a comida que deu fama aos seus inventores e ao rincão onde é
confeccionada pelas características dos sabores e ingredientes.
Desde criança que me familiarizei com um
dos santos populares, o famoso S. João, assistindo, principalmente com o meu
pai, às diversões que eram o encanto da multidão, sem discriminação de idades.
A “montanha russa”, os carroceis, as barracas de jogos onde, por acaso, podia
ser a nossa, a senha premiada, e a das farturas com o gosto predominante do
açúcar, enchiam-nos de alegria. Apenas contemplávamos do lado de fora, o “poço
da morte”. Meu pai não quereria que me impressionasse.
Eu era pouco mais alta do que a sua cintura
mas tomava a iniciativa de protagonizar alguma particularidade. Assim é que me
fiz perita na condução dos “carros de choque” de forma a que o proprietário daquela
superfície, através dos altifalantes, me elogiou publicamente, com despeito de
alguns adultos, engarrafados uns nos outros sem gozar o tempo do circuito. Isso
envaidecia-me porque devia a preferência a meu pai que me ensinara todos os reflexos.
Para os meus dez anos, era fantástico.
Simpatizo com a memória destes três santos,
Santo António, o erudito, S. João e S. Pedro, ambos mártires, cada um na sua
época. Só não compreendi nunca como de tragédias tão impressionantes e de
figuras tão sérias, se construam motivos de tanta euforia que induzem a ignorar
o que na realidade aconteceu na vida carismática destes homens.
Não têm nada a ver. Nem sei se gostarão de tal
prestígio.
É claro que não são de desprezar a bela e
saborosa sardinha assada e o prazer de a comer pegando-lhe pelas pontas dos
dedos; os pimentos de cores diversas que a mãe natureza consentiu que se
criassem, a salada de alface e tomate, o vinho a borbulhar nas taças, os doces.
Mas recordo que, segundo os anais da heurística e da hermenêutica, o alimento
habitual de S. João eram gafanhotos e mel silvestre. Foi considerado profeta,
pressagiando o nascimento de Cristo. E por denunciar a vida de luxúria da corte
de Herodes, por dizer a verdade, decapitaram-no, obedecendo aos princípios
bárbaros da consciência monárquica. Santo António tinha como ouvintes da sua
oratória, os peixes, cujo interesse era de tal ordem que mantinham a cabeça
fora das ondas. Quadros se pintaram sobre esse tema. S. Pedro, crucificado, a
seu pedido, de cabeça para baixo, no tempo de Nero, foi um pregador da doutrina
cristã, inspirador no movimento das massas.
Todas as culturas possuem as suas lendas. E
os costumes vindos dos nossos ancestrais, evocam reminiscências de um certo paganismo,
ao estilo barroco. Apenas os ícones, não sendo deuses, são emissários de um
Deus único, como monoteístas que somos.
O coração do povo revela-se nas romarias, nas
suas procissões com as suas estatuetas de argila., os seus “anjos” de carne e
osso, o cumprimento das promessas nas capelas a abarrotar de flores e de gente,
uma mescla de contritos e curiosos, conterrâneos e forasteiros, cujo único
impulso é o divertimento, o convívio pitoresco, o prato favorito.
Não há pois porque desdenhar da
simplicidade do povo quando “faz o que vê fazer”. Nem criticar os que montam
negócio à custa da fé ingénua de muitos, porque “na terra de cegos, quem tem
olho é rei”
E lá disse o rei quando a fidalga perdeu a
liga e ele, galantemente a apanhou:
“Honni soit qui mal y
pense”.
Sem comentários:
Enviar um comentário
Violar os Direitos de Autor é crime de acordo com a lei 9610/98 e está previsto pelo artigo 184 do Código Penal.
Por isso NÃO COPIE nenhum artigo deste blogue ou parte dele, sem dar os devidos créditos da autoria e sem colocar o link da postagem.
Muito obrigada!