(foto retirada de http://fotosdoalvaro.blogspot.pt/)
Reflexão II a)
O dia está prestes a
terminar.
O extenso tapete de caruma
prolonga-se até à orla da encosta. Por trás, oculta-se meio círculo de fogo que
beneficiou a tarde dos últimos sussurros.
À medida que mergulha, o
sol transforma-se numa chaga viva. O recorte da colina torna-se negro e aviva o
contraste. Contemplo este vermelho cintilante, pleno, pleno de majestade. Nenhuma
cor se lhe compara. Acaricia o olhar como uma pétala de veludo. Escorre dentro
da retina como um licor de seda. E desliza no interior do espírito acendendo
círios em apoteose.
É então que visiono um
largo recinto dentro de um templo abobadado. Não tem frisos de claustro mas
balaustradas com frescos dourados e rostos de anjos infantis que exprimem
sorrisos de açucena.
Avanço para o altar.
Encontra-se coberto por um tecido precioso, duma brancura que fere e não se
define. A minha alma perturba-se. O branco e o vermelho presidem na minha visão.
Curvo-me. Encolho-me sobre o meu corpo e sinto que desapareço sob a intensidade
de uma forte sensação de domínio.
- Não sou nada. – pensei - Ele é que é Tudo.
Invade-me um sentimento
estranho. Pretende abraçar o mundo. Com mel e leite e néctar de resedas, uma
imperceptível sensação de ternura e de entrega. Um desejo de dar-me, uma
absoluta indiferença pelo exterior.
Não vejo o perfil de quem
me atrai. Subjuga-me tão docemente! Pressinto, sim, que há perto uma presença
especial, etérea e suave, muito subtil mas dotada de uma extraordinária força.
E como me sinto bem dominada por essa força!
De repente, não sei por que
motivo, senti um calafrio. E uma irreprimível vontade de chorar. Como um
relâmpago, a minha memória reacendeu todos os males da humanidade, traduzidos
num só: a ingratidão do homem. E como um gigante ciclópico, o pecado mostrou a
sua colheita.
Quando tudo desapareceu,
olhei na minha frente: o sol ainda permanecia no horizonte, uma labareda
sangrenta, rodeada de punhais de aço.
As minhas lágrimas
tornaram-se metálicas. Eram pingos de azebre. Abriam sulcos na pele.
Estilhaçavam todos os contornos das bênçãos anunciadas por um Deus magnânimo
justo.
As minhas lágrimas
confundiram-se. Aquela mancha vermelha que sangrava… que se rasgava…
dilatava-se em todos os sentidos, baixava aos lares dos famintos, afagava os
desesperados, iluminava os confusos. Curava os doentes, dava vista aos cegos,
fazia andar os paralíticos. Perdoava as ofensas, amava os seus inimigos.
Contemplava povos e nações com o seu misericordioso perdão.
Tinha dentro de mim o
sentimento de culpa. Tinha na minha frente o coração de Jesus.
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