sexta-feira, 1 de junho de 2018

MAMÃ, COMI OS “FÓFAROS “ TODOS


Era uma caixa minúscula, quadrada, colorida, repleta de fósforos moles de cabeças de cera.
A garota comera-as todas.
Como se deliciara com o sabor, foi ter com a mãe à cozinha, anunciando a proeza.
A expressão carrancuda da progenitora fez-lhe ver que algo corria mal.
- Repete o que disseste!
Baixinho, a tentar disfarçar o efeito, a garota murmurou:
- Comi os “fófaros” todos.
O resultado foi uma lavagem ao estômago que a deixou roxa de tanto chorar.
Dois anos antes, engolira o alfinete da fralda e teve a sorte de fazê-lo evadir pelas fezes, o que representou um enorme alívio para os pais.
A infância registou um percurso de correrias, quedas frequentes e joelhos esfolados. Acrescente-se a isso um pavor pela tintura ou mercúrio-cromo.
Apesar de fazer o mesmo trajecto quando andava de bicicleta, um dia resolveu alongar-se pela cidade. Numa descida, reconheceu que não tinha travões e só podia parar por um acaso fortuito da sorte. Esta não tardou a evidenciar-se na figura de um carro de gelados que se lhe apresentou pela frente. Os dois veículos, engolfados numa marcha desesperada, foram imobilizados pelo muro da esplanada que protegia a estrada do salto mortal para a praia, a uns seis metros de altitude.
Os desafios eram constantes.
Atirar-se em queda livre da ponte de cimento para o areal que serpeava à volta da lagoa aberta pelo mar. era um convite irresistível. Quando o intentou. durante mais de meia hora este sem mover os pés, com a suspeita de ter fracturado os artelhos.
No parque infantil, no aparelho das argolas, querendo imitar uma colega, não conseguiu dar ao corpo a volta inteira e quase torceu o pescoço que lhe doeu por minutos. Mas ninguém reparara.
Com o crescimento, as aventuras de carácter físico transmudaram-se em factos de ordem intelectual e a sua infância regista com chave de ouro um soneto declamado por ela na festa de um casamento.
Fechava-se uma etapa.
Iniciavam-se as saudades, a melancólica nostalgia de um passado tão vibrante como uma sinfonia e tão doce como um ninho de pássaros.
Foi durante essa época que o meu coração aprendeu a alegria de viver, o sabor da compreensão e da tolerância, o valor da paz, o valor do perdão.
Pode parecer demagógico. Mas se estivermos bem connosco, fazemos os outros felizes
E se soubermos tornar as crianças felizes, salvamos a humanidade.

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