sábado, 30 de março de 2013

Páscoa


Isto é o Meu Corpo

“…que, por vós, é dado…”

I Parte

Era tão belo o que estava sendo feito desde o começo de todas as coisas até ao nascimento do homem, tão esplendorosa e singular a identidade desta obra com o seu criador e tão extraordinária a sua finalidade, que o princípio, quando desperta na memória, continua como baluarte do seu último alento.

Num mundo conturbado de controvérsia e de violência, o homem passa indiferente aos parâmetros que justificam a sua existência, a sua razão de pousar na terra e a função das suas artérias. Se o incomodasse a suspeita de que, perante o universo, continua uma peça indispensável à harmonia de um todo, jamais quebraria a ordem estabelecida como ser humano e como ser social. Jamais teria cometido as atrocidades que se lhe atribuem e as maravilhas que são da sua autoria para prestígio da posteridade seriam o selo da gratidão perante a graça de ter sido criado.

Com uma perícia que se amplia em redor e atrozmente envaidecido pelas suas ações, ele foi, ao longo dos tempos, insistindo nos mesmos erros, tanto mais gravosos quanto disfarçados em crescente cobiça. À sua “luminosa” inteligência juntou sempre desmedida ambição carregada de objetivos negativos que ludibriariam o seu próprio interesse.
A grandeza de uma miséria!

Naqueles primitivos tempos, as gerações submeteram à sua impiedosa perversidade, as mensagens colhidas no coração do deserto. Verdades axiomáticas defrontavam-se com a inconstância dos povos e não raro a senda do desconhecido abria campo à idolatria
Grandes frestas se rasgavam na mente de milhares em permanente queda e ressurgimento, tanto de fé como de desespero mas poucos eram os eleitos e todos de livre arbítrio. Deixavam penetrar explosões fantásticas de luz e fervilhar em paralelo os ferozes vendavais do orgulho e do desejo imoderado em espasmos de dor que fenderam nações.

Os séculos provocaram o avanço da humanidade mas provaram o desacerto contínuo entre ela e o seu mestre, obreiro precioso da sua vitalidade que apenas solicitava lealdade e afinidade para que a felicidade fosse possível.
Foi de tal natureza a crueldade humana, tal o preço exigido pelas suas conquistas e tão corrupto o regozijo das suas descobertas que não distinguiu inocentes. A história o regista com diamantes de sangue.


II Parte

Mas a história também nos conta os milénios de pesquisa que motivaram o homem a desvendar o caminho imaturo dos seus passos precisamente na hora extrema em que a planta dos seus pés sem que o compreendesse, o espinho brutal do seu abismo.
A humanidade precisava de ser salva. Alguém tinha de desvendar os caminhos da verdade, do bem e do belo, os caminhos da vida.
Alguém tinha de surgir, alguém que fosse exemplo vivo do criador, a “sua imagem e semelhança”.
Na antiguidade, imolava-se um cordeiro, sem mancha e sem defeito, para purificação e desagravo das almas ímpias, iníquas, imundas.

Para redimir as civilizações e o homem que as incrementou, tinha de haver um “cordeiro”, oferta de holocausto. O seu sangue, segundo o preceito hebraico, tinha de aspergir o altar do mundo como era usual os sacerdotes sacudirem o sangue dos animais sobre os altares preparados para o sacrifício.

A humanidade, corroída de idólatras, de luxúria e degradação moral, precisava de ser salva. Ninguém melhor do que aquele Homem, exemplo vivo da obra perfeita do seu Criador.
A fragilidade da carne ascende sobre o espírito. A maldade sobrepunha-se à virtude.
Quem refletir sobre o sacrifício do Gólgota, as noites angustiantes da véspera do sacrifício, e o significado simbólico da última Ceia, reconhece o convénio entre o Criador e o homem e uma nova oportunidade da sua rendição

                  “…Este é o meu corpo
                    que por vós é dado”

Por vos, em vosso lugar, para que olheis em volta por vossos irmãos e os ameis.
Por vós, em vez de vós, para que vivam as crianças sem as grilhetas da fome e do opróbrio.
Por vós, em defesa dos vossos jovens para que deixem de se submergir na droga e na prostituição.
Por vós, para que eviteis os conflitos mundiais.
Por vós, para que pratiquem a justiça e a igualdade.
Por vós, para que lanceis a semente e não a bomba.
Por vós e pela acelerada degeneração em que o vosso planeta se atrofia e desagrega.
Por vós, pelos vossos desígnios e pela desigualdade entre os povos.



III Parte

Por vós, perante juízes.
Por vós, açoitado pelos rins;
por vós, flagelado até à morte;
por vós, crucificado no madeiro.


Por vós, com lágrimas ardentes em noites e solidão.
Por vós, como Deus ensinando o Amor; ansiando por amor como homem.

Por vós, que não conheceis o espírito de renúncia e permaneceis arraigados ao fascínio do poder e das paixões.
Por vós, que desrespeitais os vossos corpos com bebidas, drogas, fumo e orgias, com loucuras sem nome, em nome de um falso padrão de vida.


                                      Tomai e bebei.
                                      Este é o meu sangue,
                                      que será derramado por vós…


O símbolo da imolação de Cristo, cordeiro de Deus, no “altar” do Calvário, semelhante ao sacrifício do cordeiro pascal no altar do Tabernáculo dirige-se à existência humana, num permanente exorcismo pela sua maldade como um ponteiro de luz a indicar o como deve ser e estar no seu quotidiano com os outros.

                                         Isto é o meu corpo…

vergastado, ensanguentado, martirizado por Amor.

Ele, que era o Amor, a Sabedoria, a incorruptibilidade, o amplexo eterno e universal.

                                        Dou-vos a minha Paz.
                                        Deixo-vos a minha paz…

No momento em que expirou, poucos o compreenderam.
Mas os céus rasgaram-se. Os tempos escureceram.

E hoje?
Obedecem-lhe os astros. A obra da sua criação obedece-lhe, menos o homem, envernizado na sua petulância.
Pelo fulgor da realidade de Cristo, feito homem, Deus deu ao ser que criou, um processo ímpar de conexão com o húmus interior das suas virtudes. Não lhe deu o veneno que ele próprio fabrica, hora a hora.
Pela vida e martírio de Cristo, Deus permitiu ao homem a revelação do fim para que foi criado e o mistério da sua eternidade,


                                         ainda que tivesse de dar o seu corpo,
                                         ainda que tivesse de verter o seu sangue.
                                                         

IV Parte

Depois de três dias de holocausto, o Cordeiro ressuscitou.
Ditosos, aqueles que passam por essa transfiguração e ressuscitam.
Como um estandarte, é arvorada a promessa da recuperação, do arrependimento, da contrição.
Renova-se o pacto da absolvição.
E espera-se que as pessoas sejam melhores e se amem. E tenham compaixão dos que prevaricam. E sejam conselho e exemplo.
Se o fizerem, talvez se aperfeiçoem as coordenadas que apontam para o progresso, uma outra espécie de evolução onde a justiça seja aplicada com justeza, o ser humano não seja subserviente e amesquinhado pelos seus irmãos, as raças convivam em compreensão e serenidade, a consciência dos povos se liberte, o espírito tome o lugar do materialismo e do consumismo desenfreado.

A não ser assim, por que continuamos a celebrar a Páscoa?


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