Isto é o Meu Corpo
“…que, por
vós, é dado…”
I Parte
Era
tão belo o que estava sendo feito desde o começo de todas as coisas até ao
nascimento do homem, tão esplendorosa e singular a identidade desta obra com o
seu criador e tão extraordinária a sua finalidade, que o princípio, quando
desperta na memória, continua como baluarte do seu último alento.
Num
mundo conturbado de controvérsia e de violência, o homem passa indiferente aos
parâmetros que justificam a sua existência, a sua razão de pousar na terra e a
função das suas artérias. Se o incomodasse a suspeita de que, perante o
universo, continua uma peça indispensável à harmonia de um todo, jamais
quebraria a ordem estabelecida como ser humano e como ser social. Jamais teria
cometido as atrocidades que se lhe atribuem e as maravilhas que são da sua
autoria para prestígio da posteridade seriam o selo da gratidão perante a graça
de ter sido criado.
Com
uma perícia que se amplia em redor e atrozmente envaidecido pelas suas ações,
ele foi, ao longo dos tempos, insistindo nos mesmos erros, tanto mais gravosos
quanto disfarçados em crescente cobiça. À sua “luminosa” inteligência juntou
sempre desmedida ambição carregada de objetivos negativos que ludibriariam o
seu próprio interesse.
A
grandeza de uma miséria!
Naqueles
primitivos tempos, as gerações submeteram à sua impiedosa perversidade, as
mensagens colhidas no coração do deserto. Verdades axiomáticas defrontavam-se
com a inconstância dos povos e não raro a senda do desconhecido abria campo à
idolatria
Grandes
frestas se rasgavam na mente de milhares em permanente queda e ressurgimento,
tanto de fé como de desespero mas poucos eram os eleitos e todos de livre
arbítrio. Deixavam penetrar explosões fantásticas de luz e fervilhar em
paralelo os ferozes vendavais do orgulho e do desejo imoderado em espasmos de
dor que fenderam nações.
Os
séculos provocaram o avanço da humanidade mas provaram o desacerto contínuo
entre ela e o seu mestre, obreiro precioso da sua vitalidade que apenas
solicitava lealdade e afinidade para que a felicidade fosse possível.
Foi
de tal natureza a crueldade humana, tal o preço exigido pelas suas conquistas e
tão corrupto o regozijo das suas descobertas que não distinguiu inocentes. A
história o regista com diamantes de sangue.
II Parte
Mas
a história também nos conta os milénios de pesquisa que motivaram o homem a
desvendar o caminho imaturo dos seus passos precisamente na hora extrema em que
a planta dos seus pés sem que o compreendesse, o espinho brutal do seu abismo.
A
humanidade precisava de ser salva. Alguém tinha de desvendar os caminhos da
verdade, do bem e do belo, os caminhos da vida.
Alguém
tinha de surgir, alguém que fosse exemplo vivo do criador, a “sua imagem e
semelhança”.
Na
antiguidade, imolava-se um cordeiro, sem mancha e sem defeito, para purificação
e desagravo das almas ímpias, iníquas, imundas.
Para
redimir as civilizações e o homem que as incrementou, tinha de haver um
“cordeiro”, oferta de holocausto. O seu sangue, segundo o preceito hebraico,
tinha de aspergir o altar do mundo como era usual os sacerdotes sacudirem o
sangue dos animais sobre os altares preparados para o sacrifício.
A
humanidade, corroída de idólatras, de luxúria e degradação moral, precisava de
ser salva. Ninguém melhor do que aquele Homem, exemplo vivo da obra perfeita do
seu Criador.
A
fragilidade da carne ascende sobre o espírito. A maldade sobrepunha-se à
virtude.
Quem
refletir sobre o sacrifício do Gólgota, as noites angustiantes da véspera do
sacrifício, e o significado simbólico da última Ceia, reconhece o convénio
entre o Criador e o homem e uma nova oportunidade da sua rendição
“…Este é o meu corpo
que por vós é dado”
Por
vos, em vosso lugar, para que olheis em volta por vossos irmãos e os ameis.
Por
vós, em vez de vós, para que vivam as crianças sem as grilhetas da fome e do
opróbrio.
Por
vós, em defesa dos vossos jovens para que deixem de se submergir na droga e na
prostituição.
Por
vós, para que eviteis os conflitos mundiais.
Por
vós, para que pratiquem a justiça e a igualdade.
Por
vós, para que lanceis a semente e não a bomba.
Por
vós e pela acelerada degeneração em que o vosso planeta se atrofia e desagrega.
Por
vós, pelos vossos desígnios e pela desigualdade entre os povos.
III Parte
Por vós,
perante juízes.
Por vós,
açoitado pelos rins;
por vós,
flagelado até à morte;
por vós,
crucificado no madeiro.
Por vós, com
lágrimas ardentes em noites e solidão.
Por vós, como
Deus ensinando o Amor; ansiando por amor como homem.
Por
vós, que não conheceis o espírito de renúncia e permaneceis arraigados ao
fascínio do poder e das paixões.
Por
vós, que desrespeitais os vossos corpos com bebidas, drogas, fumo e orgias, com
loucuras sem nome, em nome de um falso padrão de vida.
Tomai e
bebei.
Este é o
meu sangue,
que será
derramado por vós…
O
símbolo da imolação de Cristo, cordeiro
de Deus, no “altar” do Calvário, semelhante ao sacrifício do cordeiro
pascal no altar do Tabernáculo dirige-se à existência humana, num permanente
exorcismo pela sua maldade como um ponteiro de luz a indicar o como deve ser e
estar no seu quotidiano com os outros.
Isto é
o meu corpo…
vergastado,
ensanguentado, martirizado por Amor.
Ele, que era
o Amor, a Sabedoria, a incorruptibilidade, o amplexo eterno e universal.
Dou-vos a minha Paz.
Deixo-vos a minha paz…
No momento em
que expirou, poucos o compreenderam.
Mas os céus
rasgaram-se. Os tempos escureceram.
E
hoje?
Obedecem-lhe
os astros. A obra da sua criação obedece-lhe, menos o homem, envernizado na sua
petulância.
Pelo
fulgor da realidade de Cristo, feito homem, Deus deu ao ser que criou, um
processo ímpar de conexão com o húmus interior das suas virtudes. Não lhe deu o
veneno que ele próprio fabrica, hora a hora.
Pela
vida e martírio de Cristo, Deus permitiu ao homem a revelação do fim para que
foi criado e o mistério da sua eternidade,
ainda
que tivesse de dar o seu corpo,
ainda que tivesse de verter o seu sangue.
IV Parte
Depois
de três dias de holocausto, o Cordeiro ressuscitou.
Ditosos,
aqueles que passam por essa transfiguração e ressuscitam.
Como
um estandarte, é arvorada a promessa da recuperação, do arrependimento, da
contrição.
Renova-se
o pacto da absolvição.
E
espera-se que as pessoas sejam melhores e se amem. E tenham compaixão dos que
prevaricam. E sejam conselho e exemplo.
Se
o fizerem, talvez se aperfeiçoem as coordenadas que apontam para o progresso,
uma outra espécie de evolução onde a justiça seja aplicada com justeza, o ser
humano não seja subserviente e amesquinhado pelos seus irmãos, as raças
convivam em compreensão e serenidade, a consciência dos povos se liberte, o
espírito tome o lugar do materialismo e do consumismo desenfreado.
A não ser
assim, por que continuamos a celebrar a Páscoa?
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