sábado, 15 de dezembro de 2012

SETE SONETOS DE NATAL



por Aurora Tondela



Presépio

Na gruta do deserto está Maria,
olhando o loiro filho pequenino.
O manto polvilhado a pedraria,
cobrindo-lhe o cabelo, ébano fino.

Ao lado, ele, José, que se extasia,
curvado ante a grandeza do destino.
E os anjos, loucos, loucos de alegria,
dedilham toda a noite o violino.

Quem destruiu o meu presépio de ouro?
Quem mo recorda, por sarcasmo, ainda?
Quem esmagou sem pena o meu rei mouro?

Sem mais do que esta dor, profunda, infinda,
quisera ser dos magos um tesouro,
estrela a anunciar a Tua vinda.


O Peregrino do Natal

No braço esquerdo, a ponta de alvo manto
e, no direito, a curva do bordão.
Onde ides, meu senhor, com tanto espanto
que não vedes o lamacento chão?

E como bate o vosso coração!
Por que banhais o vosso rosto em pranto?
Estais cansado, venerando ancião.
Repousai nesta pedra por enquanto.

- Em cada ano faço esta viagem
para encontrar a gruta mensageira
da paz entre as nações, não rebeldia.

Mas nunca chego a tempo que a paisagem
de guerras, violências, desordeira,
apenas deixa tréguas por um dia.


Natal Dourado

Somos todos tão belos, criativos,
no cerne e no perfil, originais;
urgentes como o sal, modelos vivos
de um barro, de um sopro e brisa irreais.

Fomos! Mas já não somos que jamais
deixámos da maldade, ser cativos,
mentindo em cada dia que não mais
com o outro, tereis gestos ofensivos.

Enxuga-me, Senhor, este meu pranto!
Eu sinto-me tão só e tão perdida.
Não tenho nada mais que doa tanto,

que é ter longe de Ti, a minha vida
e ter longe de mim, Teu nome santo
e chorat a Teus pés, arrependida.


Natal Branco

Ó vento não fustigues a vidraça
e à chuva diz que abrande a sua ira;
à neve esguia e branca que não fira
os montes, os caminhos, onde passa.
Um velho, mal cuidando na mentira
de um fogo de lareira que o trespassa,
sente os halos do Amor, erguendo a taça,
embrulha-se em mil sonhos e delira.

Natal! Os sinos cantam nas quebradas,
as luzes mais se ocultam nos postigos,
enquanto a Fé repica em alvoradas.

O vento serenou!Astros amigos
retalham como lâminas de espada,
a neve que desceu sobre os mendigos.


Natal Profundo

Vejo a folha cair, do calendário.
Neste Natal, Jesus nasce de novo.
Acende-se do mundo o lampadário,
mais uma vez, no coração do povo.

Alguém despiu a sua pele de lobo
quando fez do seu pranto, corolário
e ainda outro, o seu riso de bobo
tornou humilde neste Aniversário.

Oh! Meu Senhor Jesus, como eu queria
despojar-me de tudo, frente ao espelho,
fazer parte da tua alegoria.

Transformar tudo em novo quanto é velho;
nas noites de alna ver raiar o dia,
na passagem da vida:Mar Vermelho.


Farrapos de Neve

Negra! Ah!Tão negra e um brilhar faminto,
o desta noite que irrompeu agora,
a polvilhar de neve os campos fora,
a relembrar-me aquilo que não sinto.

Os tempos voam! Ah!Porém, pressinto
que a nada os move a sorte esmagadora
e o pensamento errando, muito embora,
há-de provar-me um dia que não minto.

Lentamente, sulcando o céu sem fim,
gelados, vão caindo sobre mim,
alvos farrapos do meu ser divino.

Beleza deslumbrante que enamora;
sonho que brota aos lábios e os descora
e guia o curso deste meu destino.


Natal Eterno

Mais um Natal, Senhor, mais um Natal.
Que foi feito de mim, estrela errante?
Tu me quiseste como a um diamante;
me guardaste em escrínio especial.

Mais um Presépio lídimo, constante,
um cântico de Amor universal;
mais um lírio na mão e um castiçal
iluminando as mesas, triunfante.

Trezentos e sessenta e cinco dias…
Como os vivi? Pergunto-me, confusa,
se foram mais tristezas que alegrias.

Mais um Natal, Senhor! Hora difusa
de um segredo que, enfim, transformarias
sempre em Natal, na minha alma reclusa.

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